Faz como entenderes

É uma forma educada de dizer "desenrasca- te, que eu não estou nem aí". Fundamentalmente uma expressão que quando proferida desencadeia, em alguns, um interno sentimento de "Ai é? Agora é que tu vais ver!"

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Sem sombra de dúvida, a frase preferida da senhora minha mãe. Trio de vocábulos pronunciado por outrem que, regra geral, nos quer bem mas não tenciona arcar com o fruto do cultivo de opção, o qual proclama repetidamente não ser da sua responsabilidade (Deus lhe livre de tal encargo). Forma educada de dizer "desenrasca- te, que eu não estou nem aí". Fundamentalmente uma expressão que quando proferida desencadeia, em alguns, um interno sentimento de "Ai é? Agora é que tu vais ver!"

De acordo com o "Current Directions in Psychological Science", ser parte integrante de um grupo demonstrou-se útil aos nossos ancestrais ao enfrentarem situações adversas, motivo pelo qual, nos dias que correm, a sensação de pertença nos faz sentir seguros e protegidos.

É-nos inerente a necessidade de aceitação pelo próximo. Começamos por fazê-lo, de forma inconsciente, perante a figura parental com a qual nos identificamos e perpetuamos o comportamento após o despertar de tal discernimento. Umas vezes fazemo-lo sem nos apercebermos, outras há que nos subjugamos na esperança de que o retorno supere o investimento. Quando a utilidade se transforma em obsessão (ui), aí a "porca torce o rabo".

O imbróglio está na razão do comportamento que se adquire. Se o fazemos para satisfação própria, por respeito à hierarquia profissional, ou por fobia à rejeição pelo outro. Todos nós carregamos um cofre. A chave está na autenticidade com que foi idealizada a cifra, pois caso a mesma seja sequela de fábulas, jamais teremos acesso à fortuna. Com a liberdade de escolha advém a consequência da opção.

"Faz como entenderes" são três palavrinhas cujo significado é dotado de múltiplas interpretações, tal como é o caso de "tu é que sabes!". O tom hostil com que são proferidas e a reza interna que o seu proclamador realiza no acto da declaração, dota-as de uma significância extraordinária. Das quatro, uma: quem as enuncia ou tem uma fé tremenda no seu ouvinte, acreditando piamente que o mesmo fará o que o dizente já pré-determinou em pensamento; ou não tem qualquer tipo de expectativa em relação ao seu interlocutor, tratando-se de uma dádiva de asas imaginárias acompanhada de uma mascarada demonstração de amor; ou é detentor de um carácter nocivo que, para o bem-estar generalizado do audiente, deverá incluir num futuro próximo o desenvolvimento de um plano de emergência e consequente exterminação da sua vida social; ou, de facto, está-se deveras marimbando.

A afronta incita erroneamente uma resposta premente que, muitas vezes, não coaduna com o que já se havia concebido em cenários fictícios. Declina o repto, aceita a provação. Respira. Puxa uma cadeira, senta-te, põe-te à vontade. "E agora?"perguntas tu, ao que eu te respondo: "Faz como entenderes".

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