Eduardo dos Santos diz que "jovens querem tudo resolvido de um dia para o outro"
No discurso dos 40 anos da independência, Presidente de Angola reagiu a críticas de corrupção na cúpula do regime. “Aos angolanos não podem ser só reservados espaços ao nível das micro, pequenas e médias empresas e dos negócios financeiros. Têm também de ganhar terreno nos mercados globais.”
Por meias palavras, José Eduardo dos Santos tocou nos assuntos na ordem do dia em Angola e nos principais motivos de crítica ao seu Governo, mas não deu sinais de pretender corrigir a trajectória. Foi no discurso dos 40 anos de independência, em que aludiu à “ingerência” externa de que o Governo de Luanda se queixa e disse esperar que as relações com Portugal se desenvolvam “dando cada vez menos espaço ao saudosismo e ao espírito de vingança”.
Num momento em que os olhares internacionais estão virados para Angola, devido à detenção, desde de Junho, de 15 activistas acusados de prepararem uma rebelião e atentarem contra a sua vida, o Presidente dedicou aos jovens uma passagem do discurso que pode ser entendida como uma alusão aos que contestam o regime.
“Sabemos que os jovens querem tudo resolvido de um dia para o outro. Assim foi em todas as gerações anteriores”, disse, na mensagem dos 40 anos de independência transmitida pela rádio e televisão públicas à meia-noite, a hora a que, a 11 de Novembro de 1975, Agostinho Neto proclamou Angola como estado soberano. “Temos que continuar a transformar a energia e o dinamismo da juventude em alavanca para continuarmos a construção de uma nação mais próspera, feliz e justa.”
O principal momento das comemorações a que, segundo o Jornal de Angola, assistiram perto de sete mil convidados, entre eles o ex-Presidente português, Ramalho Eanes, foi, na manhã desta quarta-feira, um desfile na Praça da República, em Luanda. A cerimónia incluiu dois momentos – o desfile “cívico-político”, com representantes de “diversas áreas da vida do país; e o “militar”, com a polícia e as forças armadas. Antes disso, Eduardo dos Santos depôs uma coroa de flores no túmulo de Neto, o Presidente fundador.
Politicamente, a mensagem da noite foi, no entanto, o momento mais relevante. Nela, o Presidente fez uma breve e vaga menção à alegada ingerência externa no caso dos activistas, bem mais genérica do que têm feito membros do executivo e do partido governamental, MPLA. “O egoísmo e o desrespeito das normas do direito internacional e particularmente a ingerência nos assuntos internos de outros Estados por países mais fortes são factores que geram instabilidade, tensão e conflitos armados com consequências políticas e sociais graves, pondo em risco a segurança internacional”, declarou.
Na semana passada, na que terá sido a acusação mais directa de ingerência, o seu ministro do Interior, Ângelo da Veiga Tavares, acusou os 15 detidos, entre eles o rapper Luaty Beirão, que cumpriu 36 dias de greve de fome, de terem recebido “indicações claras” do exterior para provocarem confrontos que causassem entre 20 e 25 mortos e justificassem uma intervenção externa. Estrangeiros com estatuto diplomático “instigavam esses jovens e, coincidentemente, sempre na mesma perspectiva: provocar confrontos com a polícia e causar mortos para permitir a intervenção do Ocidente”, disse.
Quando se aproxima o julgamento dos activistas, num contexto em que se sucedem denúncias de violação de direitos humanos no país, José Eduardo dos Santos declarou que a Constituição angolana “consagra a independência dos tribunais” e “o respeito pelos direitos humanos, pelas liberdades fundamentais, pelo direito de participar em actividades políticas e associativas”. O início do julgamento está marcado para segunda-feira, 16 de Novembro. Além dos 15 detidos há duas acusadas em liberdade.
Não ao "saudosismo"
O Presidente referiu-se também às frequentes críticas de corrupção a membros do seu círculo mais próximo, dizendo que elas vêm de quem pretende “confundir” a “promoção e defesa do interesse nacional” – que se faz com “a presença no mundo do capital e do trabalho de empresas e grupos económicos conscientes e fortes” – com a “promoção da corrupção”.
“Aos angolanos não podem ser só reservados espaços ao nível das micro, pequenas e médias empresas e dos negócios financeiros. Têm também de ganhar terreno nos mercados globais”, disse também.
Num discurso muito centrado na história de Angola, em que deu ênfase às dificuldades da luta anti-colonial, à transição para a independência, à guerra pós-1975 e à luta contra o apartheid, José Eduardo dos Santos, no poder desde 1979, disse que com a paz de 2002 – “que chegou para ficar – “foi abandonado o princípio segundo o qual a guerra é a continuação da política por outros meios”.
O dirigente angolano invocou ainda progressos conseguidos desde a independência, caso da luta contra o analfabetismo, que disse ter baixado de mais de 95% para cerca de 35% de uma população calculada em 26 milhões de pessoas – dois terços da qual com menos de 25 anos. “Só havia uma universidade e o país não tinha mais de 40 licenciados. Hoje funcionam 62 instituições de ensino superior.”
Além de agradecimentos a vários países africanos, pelo apoio na luta anti-colonial, e a Cuba e União Soviética, pela ajuda no pós-1975, Eduardo dos Santos fez uma referência especial ao Brasil – “o primeiro” país a reconhecer a independência de Angola. As relações com Portugal foram também abordadas pelo Presidente, que defendeu um aprofundamento que dê “cada vez menos espaço ao saudosismo e [a]o espírito de vingança e de reconquista de pessoas de má fé”.
O secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros e Cooperação de Portugal, Luís Campos Ferreira, que representou o Estado português nas comemorações, disse, citado pela Lusa, que essas relações são “muito densas, muito intensas e muito úteis para ambos os lados”.