Morreu Allen Toussaint, estrela relutante da música de Nova Orleães

Parte da carreira deste músico é feita nos bastidores e é por isso natural que muitos não o conheçam. Toussaint é, no entanto, referência obrigatória da música poular americana.

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Num concerto em Estocolmo, em 2009 DR

Lenda do rhythm & blues, Allen Toussaint morreu esta segunda-feira em Madrid, depois de dar um concerto no Teatro Lara, noticia o diário espanhol El Mundo. O músico estava já de volta ao seu quarto de hotel quando teve uma paragem cardíaca. Os médicos tentaram reanimá-lo, mas Toussaint acabaria por morrer já de madrugada, no hospital.

Compositor, pianista e cantor, sempre elogiado pelas suas actuações a solo, Toussaint era uma das figuras mais respeitadas de Nova Orleães. Foi autor e produtor de inúmeros sucessos da música popular, para artistas tão variados como Otis Redding, Ringo Star, Rolling Stones, The Who, Paul McCartney & Wings ou Elvis Costello, com quem faria o álbum The River in Reverse.

Escreve Luis F. Durán, no El Mundo, que Toussaint deu um “contributo decisivo” para “moldar o estilo carnudo e suave de Nova Orleães”, influenciando gerações e gerações de músicos.

Greg Kot, jornalista especializado em música, explicava já num texto publicado há dois anos no diário americano The New York Times que o pianista e compositor teve um enorme impacto na música que se fez nos últimos 50 anos, mas que o seu contributo está subvalorizado, de certa forma, porque muito do trabalho deste mestre do R&B foi feito nos bastidores. Aliás, muitos dos temas que criou, como Working in the coal mine, Fortune teller, Southern nights ou Play something sweet, tornaram-se mais populares nas versões de outros artistas.

Refúgio em Manhattan

Toussaint, que viu a sua casa e estúdio destruídos pelo furacão Katrina em 2005, refugiou-se por uns tempos em Nova Iorque, antes de regressar à sua cidade. Essa estadia longe de Nova Orleães, actuando a solo no Joe’s Pub, haveria de ser determinante. E isto mesmo com o músico a contrariar diariamente a sua natureza para não desistir de subir ao palco sozinho: “Quando comecei no Joe’s Pub sentia-me relutante a cada momento. Era duro para mim”, disse ao New York Times, admitindo que a sua zona de conforto estava no estúdio. “Tê-los a anunciarem o meu nome – só o meu – e ter ali as pessoas era um mundo totalmente diferente para mim. Nas primeiras vezes não sabia se estava a dar às pessoas o que elas mereciam.” É nesta modéstia, diz Greg Kot, que reside o brilhantismo das actuações a solo deste mestre de Nova Orleães.

A sua passagem pelo histórico palco de Manhattan deu um álbum, Songbook, novo marco numa carreira longa e de grandes sucessos, que começou em meados da década de 1950, quando este autodidacta – aprendeu a tocar num velho e desafinado piano vertical que tinha em casa – começou a actuar com músicos profissionais. Tinha apenas 17 anos e devia parte da sua “formação” à rádio – tentava interpretar tudo o que ouvia: blues, R&B, gospel, clássica… “Era a música que tomava conta de mim quando eu era miúdo”, dizia.

É a Toussaint que Lee Dorsey deve Ya Ya e Irma Thomas It’s raining. É Toussaint que está também por trás de sucessos que Chris Kenner fixou como I like it like that e Fortune teller, que os Stones viriam também a gravar.

Southern nights, uma das suas canções de maior sucesso e que dá nome ao álbum de 1975 por muitos definido como “seminal” para o desenvolvimento do R&B de Nova Orleães, é uma excepção num percurso que, no que toca a interpretações em nome próprio, é mais conhecido dos especialistas do que do grande público. Escreveu-a, disse, porque queria que quem a ouvisse ficasse a conhecer a terra e as pessoas que o moldaram.

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