Mães que brincam e pais que cuidam têm vínculos mais fortes com os filhos

A mãe a passar a ferro e o pai a jogar à bola? Investigação portuguesa publicada pela Associação Americana de Psicologia sugere que relações com os filhos ganham quando se invertem os papéis tradicionais.

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As mães que participaram no estudo e que apresentaram vinculação segura com os filhos ou as filhas passaram em média duas vezes mais tempo a brincar Daniel Rocha

As mães que passam mais tempo em “actividades de jogo” com os filhos pequenos — brincar, levar ao parque, contar uma história antes de deitar, por exemplo — têm maior probabilidade de serem “figuras seguras de vinculação” do que aquelas que brincam menos mas prestam mais cuidados básicos, como dar banho, alimentar, cuidar na doença, dar medicamentos, ou levar às consultas. Sim, brincar é fundamental. Já quando se fala dos pais — homens — são os cuidados do dia-a-dia que fazem a diferença.

É o que sustenta um artigo que vai ser publicado na próxima edição do Journal of Family Psychology, da Associação Americana de Psicologia. Nele relatam-se os resultados “originais e inesperados” de um estudo com famílias portuguesas, explicou ao PÚBLICO uma das suas autoras, Marina Fuertes, investigadora da Faculdade de Psicologia da Universidade do Porto e professora na Escola Superior de Educação de Lisboa.

O estudo centrou-se num grupo de 82 crianças, acompanhadas pelos investigadores entre os 9 e os 18 meses de vida, e respectivas mães e pais. Famílias de classe média. “As mães que, neste estudo, apresentaram vinculação segura com os filhos ou as filhas passaram em média duas vezes mais tempo a brincar e um terço menos tempo em cuidados básicos do que as mães das crianças com vinculação insegura”, diz Marina Fuertes.

Já os pais “com vinculação segura também brincam mais do que os outros, mas passam quase duas vezes mais tempo em cuidados básicos (especialmente aos 18 meses de vida das crianças)”.

Antes de se prosseguir, explique-se o que é isto de “vinculação segura”: é, em grande medida, ser visto pela criança como um porto de abrigo. “Podemos ter uma relação positiva com os nossos filhos, afável, carinhosa e não ter com eles uma vinculação segura. A figura de vinculação é a pessoa para quem eu corro em situação de emergência ou perigo; quando a criança tem fome, tem frio, tem dor”, diz Fuertes. “E quando não estou em perigo, aquela é a pessoa que toma conta de mim para eu ir conhecer o mundo, para brincar, para explorar.”

Experiências no hospital
O estudo, como se disse, foi feito com 82 bebés e respectivos pais, “recrutados ao longo de dois anos” no Hospital de Santo Espírito, na ilha Terceira, Açores. Aos 9 e 15 meses de idade das crianças, pais e mães foram convidados a levá-las para uma sala devidamente preparada e foram observados e filmados enquanto brincavam.

Aos 12 e 18 meses foram uma vez mais ao hospital e submetidos a um procedimento laboratorial conhecido pelo nome de “Situação Estranha” — um dos objectivos era avaliar como reagiam as crianças a episódios stressantes, como ficarem sozinhas 2 ou 3 minutos e depois um dos pais entrar na sala. Uma vez mais, tudo filmado.

As imagens foram analisadas, para se avaliar os vínculos numa e noutra situação.

Foi igualmente tido em conta como é que pais e mães usavam o seu tempo com as crianças. Aproximadamente 42% das mães desempenhavam os cuidados básicos quase exclusivamente sozinhas face a aproximadamente 14% dos homens que também assumiam as mesmas tarefas sem ajuda. Nas restantes famílias a prestação de cuidados entre pais e mães era partilhada.

Os autores (da equipa fazem parte também Anabela Faria, do Hospital de Santo Espírito, Marjorie Beeghly, da Wayne State University, e Pedro Lopes-dos-Santos, da Universidade do Porto) concluíram que o tempo médio diário passado com a criança não é tão importante. “Não é por estar muito tempo diariamente com a criança que os pais ganham a confiança do seu filho ou estabelecem com ele relações seguras e recíprocas. Não obstante, a forma como passam o tempo com a criança é determinante. As mães que brincam e se divertem mais são aquelas que se relacionam melhor com os filhos — especialmente se a brincadeira for ao ar livre.”

“Libertem-se!
Parece quase uma injustiça: se as tarefas dos cuidados básicos estão sobretudo nas costas das mães, é natural que muitas fiquem com menos tempo para brincar. “É exactamente isso? Libertem-se!”, responde a investigadora.

“Vão brincar porque, se calhar a papa não precisa estar idealmente feita e os lacinhos todos na cabeça da criança não são precisos. Há muitas coisas que fazemos no nosso dia-a-dia em que, se calhar, pomos um grande perfeccionismo e às vezes desconta-se no tempo para ir brincar. Os cuidados são muito importantes, mas se calhar podem investir um pouco menos do seu tempo aí e investir mais em brincar. Brincar é realmente fundamental, cria um apego positivo entre a criança e a mãe.”

Mensagem também para os homens: “Libertem as mães e protejam, dando confiança à criança de que são capazes de responder a necessidades como a fome, ou aliviar a dor.”

Independentemente dos apelos da investigadora, custa perceber porque é que o brincar faz mais a diferença quando falamos das mães. Sendo certo que há muitas perguntas por responder, em próximos estudos, ela adianta: “Do ponto de vista da biologia as mães vêm preparadas para cuidar. E os bebés estão preparados para receber cuidados. Depois o pai introduz a criança no mundo social, nas actividades físicas, etc., a mãe fica associada ao ralhete, porque a criança se sujou. Mas quando vamos para qualquer coisa acima disso, quando a mãe assume um papel que em geral fica a cargo do homem, criam-se novas oportunidades de relacionamento.”

A inversão dos papéis tradicionais “parece ser uma boa solução” para todos.

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