O grande desafio no Ensino Superior & Ciência
Apesar de alguns sérios desafios que se mantêm, atingimos pela primeira vez na nossa longa história um patamar de desenvolvimento educacional, científico e cultural comparável com o dos nossos parceiros da dianteira.
O Sistema Científico português foi desenvolvido ao longo dos últimos 30 anos num quadro de urgência para recuperar o atraso histórico. Optou-se por uma gestão centralizada que ignora as estratégias das instituições de ensino superior que lhe dão suporte humano, material e institucional. Procurou-se emular o país mais centralista da Europa, mas a profunda desconfiança em relação a reitores e presidentes das instituições de ensino superior foi mais longe, não permitindo criar um espírito de negociação para harmonizar as estratégias nacionais com estratégias institucionais e também regionais.
Se a força central possibilitou um arranque mais vigoroso, a frustração dos agentes periféricos foi-se acumulando pela sua incapacidade de influenciar e por serem muitas vezes forçados a aceitar e até a apoiar as consequências de decisões distantes. Foi assim criada uma rede densa de unidades de investigação (algumas convertidas mais tarde em Laboratórios Associados). Ora, esta dicotomia entre Ciência e Ensino Superior poderia ser defensável numa fase incipiente do nosso desenvolvimento científico, em que as instituições não haviam ainda assumido a investigação científica como componente central da sua missão. Porém, há muito que não é essa a realidade, razão por que vêm reclamando um efetivo envolvimento. E, na verdade, só assim é possível criar uma rede de instituições de ensino superior fortes e diferenciadas que assumam plenamente a responsabilidade por todas as suas missões de serviço à sociedade.
O Ensino Superior cresceu ao longo do último século, acompanhando com algum atraso as tendências europeias. A sua qualidade e a sua diversidade são hoje reconhecidas. Contudo, não nos é permitido baixar a guarda porque a competição internacional cresce no seu desafio e num espaço de fronteiras esbatidas. Temos uma rede pública que cobre todo o país, mas que mostra desequilíbrios que resultam de alguma imprudência política e do agravamento dos próprios desequilíbrios territoriais. A sua força como motor da modernização do país é uma fonte de esperança que temos de acarinhar. Mas se merece que lhe ofereçamos as condições para um desenvolvimento harmonioso, também precisamos de criar um quadro regulatório mais ambicioso para lhe exigir uma resposta ainda mais adequada e eficaz às necessidades mais prementes da nossa sociedade. A estabilidade da participação estudantil que se prevê para os próximos cinco anos permitirá uma consolidação, mas não autoriza que ignoremos a repercussão, nos anos seguintes, da queda rápida da demografia jovem.
A recente extensão do ensino obrigatório até aos 18 anos e o crescimento das componentes profissionais exige uma nova resposta do ensino superior com cursos que permitam a continuação de estudos sem perder de vista a opção dos estudantes pela entrada mais imediata na vida ativa. A rede de instituições de ensino superior tem condições para dar resposta a estes desafios, mas são necessárias algumas alterações de perspetiva do lado do Estado regulador.
As instituições de ensino superior demonstraram a sua capacidade para dar respostas eficientes e eficazes a todos estes desafios, desde que lhes seja criado um quadro regulamentar que dê uma visão clara dos objetivos e uma autonomia de gestão que lhes permita responder cabalmente. Há um trabalho muito importante a fazer nestes próximos anos na consolidação das condições de autonomia e na plena responsabilização pelas suas missões de ensino, de investigação e de transferência de conhecimento.
O Regime Jurídico das Instituições de Ensino Superior, de 2007, constituiu um importante passo no quadro regulatório. É agora necessário – até porque concluído o primeiro quinquénio de funcionamento das universidades-fundação - avaliar a sua aplicação e aperfeiçoá-lo, de modo a reforçar a autonomia de governo das instituições e a melhorar os mecanismos de reporte e de responsabilização. É um trabalho tecnicamente complexo, mas onde haverá um largo espaço de consenso.
Os fundamentos do Sistema Científico e Tecnológico Nacional também merecem uma séria reflexão. A recente avaliação externa da Fundação para a Ciência e a Tecnologia aponta alguns vetores de mudança, em consequência da estranheza causada pela peculiaridade nacional, tida como distante das melhores práticas internacionais. Exige-se uma agência de financiamento (research board) mais afastada do poder político e das pressões setoriais e, ao mesmo tempo, também capaz de responder às exigências do “interesse nacional”.
A responsabilização pelo desempenho científico tem de caber a quem tem a capacidade efetiva de gestão dos meios humanos e materiais, i.e., às instituições de ensino superior e às demais instituições públicas e privadas interessadas na execução de investigação. Começa a haver alguns indicadores internacionais de desempenho, mas há um caminho interno a percorrer para que disponhamos de métricas aceites pela comunidade e potencialmente úteis para a gestão nacional do sistema e para a gestão interna em cada instituição.
Apesar de alguns sérios desafios que se mantêm, atingimos pela primeira vez na nossa longa história um patamar de desenvolvimento educacional, científico e cultural comparável com o dos nossos parceiros da dianteira. Os últimos anos de contenção orçamental mostraram a resiliência do sistema, que manteve o crescimento quer quantitativa quer qualitativamente. Na área de investigação académica, estabilizámos um sistema bem dimensionado, que está a mostrar-se internacionalmente competitivo, acima da média da união europeia. É nos seus protagonistas que confiamos para rejuvenescer as nossas universidades e institutos politécnicos e para modernizar e tornar mais competitiva a nossa economia e a nossa sociedade.
Secretário de Estado do Ensino Superior e da Ciência