Há demasiados estudantes de Medicina nos hospitais e isso põe formação em risco

Doentes “são confrontados com um número muito elevado de médicos e estudantes à sua volta”. Em algumas disciplinas, de algumas universidades, um médico chega a ter mais de 25 alunos.

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O melhor rácio médio estudante-tutor, envolvendo alunos do 3.º, 4.º e 5.º anos, encontra-se na Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Nova de Lisboa Paulo Pimenta

O alerta é da Associação Nacional de Estudantes de Medicina (ANEM): a formação médica está em risco em Portugal devido ao número de estudantes nos hospitais. O aviso é sustentado num estudo divulgado em Coimbra, neste sábado.

De acordo com o Estudo sobre as Condições Pedagógicas das Escolas Médicas Portuguesas, a que a agência Lusa teve acesso, os doentes que recorrem a hospitais afiliados de sete escolas médicas existentes no território continental (em Lisboa, Porto, Coimbra, Braga e Covilhã) “podem encontrar, juntamente com o seu médico, em média, cerca de oito estudantes”.

Segundo o estudo, em algumas disciplinas, de algumas escolas, cada médico tutor chega a ter mais de 25 alunos. “Estes rácios elevados são prejudiciais, não só para a aprendizagem dos estudantes, mas mais ainda para os doentes que, numa situação de fragilidade, são confrontados com um número muito elevado de médicos e estudantes à sua volta”, sublinha a ANEM.

Nas conclusões do estudo lê-se que o ensino em meio clínico “apresenta particular descontentamento por parte dos estudantes” e que um rácio estudante-tutor elevado “encontra-se directamente relacionado com a insatisfação estudantil para com o ensino em meio clínico”.

O melhor rácio médio estudante-tutor, envolvendo alunos do 3.º, 4.º e 5.º anos, encontra-se na Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Nova de Lisboa (2,55 estudantes por tutor) e o pior na Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra (FMUC), com 18,5, em média.

Na Faculdade de Ciências da Saúde da Universidade da Beira Interior (Covilhã) o rácio é de 3,13 estudantes por tutor, a Escola de Ciências da Saúde da Universidade de Minho (Braga) apresenta 3,79, a Faculdade de Medicina da Universidade do Porto 4,62, a sua congénere da Universidade de Lisboa 7,39 e o Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar (Porto) regista 9,15.

Por unidade curricular, a especialidade de Ortopedia na FMUC tem 34,9 estudantes por tutor e a de Cirurgia Geral 25,7, os valores mais elevados registados no total das sete escolas médicas.

No extremo oposto, os melhores rácios por unidade curricular registam-se na Universidade Nova de Lisboa, onde em Medicina Geral e Familiar cada tutor acompanha um estudante (rácio de 1, enquanto em Coimbra ultrapassa os 20), seguindo-se Dermatologia, Nefrologia e Reumatologia com um rácio de 1,5.

Em comunicado, a ANEM sustenta que as escolas com maior número de ingressos e mais anos de funcionamento “apresentam menor satisfação estudantil” do que as escolas com menor número de novos estudantes e mais recentes.

Nos últimos 20 anos, o número de diplomados em Medicina aumentou quase 400%, lembra a associação, cenário que “resultará inevitavelmente na criação de médicos indiferenciados, sem uma especialidade médica e incapazes de prosseguir a sua formação e dessa forma prestar cuidados de saúde de qualidade”.

A esse propósito, adianta que há necessidade de “readequar” o número de estudantes de medicina em Portugal, reavaliar as limitações financeiras das escolas médicas e a sua influência nas condições pedagógicas e identificar e resolver restrições particulares em cada uma das instituições de ensino.

O estudo, divulgado no último dia do Congresso Nacional de Estudantes de Medicina, envolveu quase 4000 questionários a estudantes e teve ainda em conta dados fornecidos pelos órgãos directivos das escolas médicas relativos ao período 2011-2014.

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