O segredo de justiça está acima do direito à informação?

Cunha Rodrigues foi procurador-geral da República muitos anos. Na obra Comunicar e Julgar escreveu: “Uma justiça independente e eficaz é tão essencial à democracia como uma comunicação social livre e pluralista (…) O grande desígnio continua a ser o da defesa da liberdade.” A grande regra é a liberdade.

As relações dos media com a justiça permanecem um problema bicudo. A justiça não sabe comunicar. Sobre o processo mais complexo, limita-se a um comunicado lacónico. Olha os media com desconfiança. Imputa-lhes a violação sistemática do segredo de justiça. Favorece a fuga electiva da informação. Aqueles têm muita dificuldade em jogar no tabuleiro das leis. Exercitam o “seu” julgamento dos factos e das pessoas. Procedem a um julgamento paralelo.

Recorrentes do desentendimento são o segredo de Justiça e o dever de reserva dos magistrados.

Este impõe-lhes uma espécie de "censura estatutária". Não devem falar de processos. Defende o bom andamento do procedimento. Evita confusões públicas sobre o mesmo. É uma regra salutar que não bule com a liberdade de expressão. Os magistrados afiançam amiúde ante as câmaras de televisão: “Não posso falar do processo concreto.” Falam sempre!

O organismo judiciário não se cansa de colocar o segredo de justiça acima do dever/direito de informação. Informar, sim, sem tocar no segredo de justiça. Os media colam-se ao interesse público, que eles próprios definem, para tudo informar abaixo ou acima do segredo de justiça. Por vezes sem rigor e sem critério, como próprio do imediatismo: “O direito não é o que os tribunais dizem que é o direito mas o que os media dizem que os tribunais disseram.” O que gera e alimenta tensões e litígios entre as duas instituições.

Com poucas restrições, o processo penal é público. A justiça é controlada pelo sistema democrático. A publicidade dá a conhecer o direito dos tribunais. Permite a real defesa do arguido. Sem conhecimento do procedimento, os arguidos defendem-se do vazio, do desconhecido. Na prática, a publicidade abre o acesso dos interessados ao processo. Peças processuais, despachos, decisões. Os media dão-lhes o destino e publicitação que entendem. Beliscando o segredo de justiça, dolosamente ou por ingenuidade.

Já poucos acreditam nas virtualidades do segredo de justiça. Muitos o vêm como só mais um artigo perdido e moribundo nas centenas de imposições do Código Penal. A sua vigência é quase meramente formal. A sanção para a sua violação é curta (até dois anos de prisão ou multa até 240 dias). A lei processual penal não o consagra directamente. Fá-lo depender de decisão do Ministério Público, de requerimento do arguido, assistente ou ofendido. Dizem-se muitas as violações. Raras são as condenações.

Deve proteger o processo. Só o processo durante a investigação. Em segunda linha, o bom nome e honra dos envolvidos no procedimento. Estes defendem-se prioritariamente pelos meios e instrumentos previstos na legislação cível.

Segredo de Justiça e direito à informação assentam na Constituição da República. Esta não estabelece qualquer hierarquia entre um e outro. Em confronto, os juristas tendem a resolver o “litígio” recorrendo à ponderação concreta de interesses. Não há uma regra geral para o efeito. Nas circunstâncias, condições e interesses ali presentes qual deles deve prevalecer. Na democracia, cabe ao juiz decidir. Não constitui tarefa fácil.

A grande regra é a de Cunha Rodrigues. Justiça e Comunicação Social perseguem um grande desígnio: a liberdade.

As pequenas regras são as dos códigos. Basta respeitar estas para se chegar àquela. Mas isso é só o ideal.

Procurador-geral adjunto

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