Um ano depois do escândalo "LuxLeaks", continua tudo na mesma

A União Europeia precisa de um novo fôlego no combate à fraude e evasão fiscal

No dia 5 de Novembro, um grupo de jornalistas internacionais revelou publicamente que mais de 300 multinacionais tinham concluído acordos secretos – os chamados tax rulings – com o Luxemburgo entre 2002 e 2010, de forma a reduzir drasticamente a respectiva factura fiscal. Assim nasceu o escândalo "LuxLeaks".

A escala destes acordos provocou uma forte indignação em todo o mundo. Algumas empresas com lucros de milhares de milhões de euros beneficiaram de taxas efectivas de imposto inferiores a 1% sobre os lucros que transferiram para o Luxemburgo. Como não podem beneficiar destes acordos, as pequenas empresas locais enfrentam, consequentemente, uma concorrência desleal.

Os Estados-membros da União Europeia (UE) estão a competir entre si com a oferta de uma variedade de medidas fiscais criativas, incluindo tax rulings, para atrair empresas e aumentar artificialmente as suas receitas fiscais. Esta prática priva os parceiros europeus de uma parte importante das suas receitas fiscais e reduz o rendimento total dos Estados, que poderia ser utilizado para melhorar os serviços públicos, a saúde ou a educação em benefício de todos os cidadãos.

Apesar de ter passado um ano desde o "LuxLeaks", muito pouco foi feito para permitir uma mudança real nesta situação, mau grado alguns anúncios nesse sentido. A UE não tem estado à altura dos seus cidadãos e das suas pequenas e médias empresas. De facto, a 6 de Outubro passado, os ministros das finanças da UE falharam uma grande oportunidade de mostrar que aprenderam a lição do escândalo LuxLeaks: o acordo político então alcançado sobre a instituição de uma troca automática de informações entre os 28 países da UE sobre todos os tax rulings transfronteiriços concedidos dilui seriamente as propostas já de si minimalistas da Comissão Europeia, de uma forma que não permite fazer luz sobre estes acordos secretos.

Esta situação está a prejudicar seriamente os sistemas fiscais nacionais e o projecto europeu. É por isso que precisamos urgentemente de uma acção forte e determinada.

Um verdadeiro mercado único só pode funcionar de forma eficaz num quadro mais transparente, coordenado e cooperante de fiscalidade das empresas. Deixar tudo na mesma não é uma opção.

A UE tem de assegurar que as multinacionais pagam os seus impostos no local onde realizam os lucros. Para isso são necessárias reformas decididas e ambiciosas para combater a fraude e a evasão fiscal, fechar as lacunas existentes nas legislações nacionais, sancionar de forma efectiva os paraísos fiscais, combater a corrupção e o branqueamento de capitais e melhorar a transparência e a cooperação transfronteiriça.

Por todas estas razões, apelamos aos Governos da UE para apoiarem a obrigação de reporte país a país de lucros e impostos das empresas (CBCR na sigla inglesa) que está actualmente em debate no quadro da Directiva sobre os Direitos dos Accionistas.

Esta medida obrigará as empresas cotadas a tornar públicas as actividades e os impostos que pagam em cada país onde operam. Desta forma, as autoridades fiscais, os investidores e todas as partes interessadas, incluindo os cidadãos, poderão agir em caso de comportamento empresarial inapropriado ou ilícito.

Os bancos europeus já estão submetidos a estas exigências e não sofreram perdas de competitividade, como ficou oficialmente provado por estudos da Comissão Europeia.

Um ano depois do escândalo LuxLeaks, os cidadãos europeus e as empresas cumpridoras não podem continuar à espera de acções concretas. É preciso desenvolver uma acção coordenada ao nível europeu. O reporte país a país representará uma arma importante para combater a fraude e a evasão fiscal e um passo significativo para o estabelecimento de um quadro fiscal mais transparente na Europa.

É mais do que tempo de os Estados Membros tirarem as lições dos LuxLeaks acabando de uma vez por todas com a evasão fiscal das empresas e trabalhando para criar um quadro mais justo para a fiscalidade das empresas. Esta é uma condição essencial para relançar o crescimento económico na UE em benefício dos cidadãos e das empresas. O desafio não pode ser mais alto e exigente.

 

Elisa Ferreira, Deputada do Parlamento Europeu, coordenadora dos Socialistas & Democratas na Comissão dos Assuntos Económicos e Monetários (ECON) e co-autora do relatório da Comissão Especial sobre Tax Rulings e outras medidas equivalentes (TAXE)

Ana Gomes, Deputada do Parlamento Europeu, membro suplente da Comissão TAXE

Maria João Rodrigues, vice-presidente do Grupo dos Socialistas & Democratas no Parlamento Europeu

Sergio Cofferati, deputado do Parlamento Europeu, membro do Grupo dos Socialistas & Democratas e relator do PE para a Directiva sobre os Direitos dos Accionistas

Jorge Sampaio, ex-Presidente da República Portuguesa

Romano Prodi, ex-Presidente da Comissão Europeia

Thomas Piketty, Economista, Paris School of Economics, autor de "O Capital no Século XXI"

Elio Di Rupo, presidente do partido socialista e ex-Primeiro Ministro da Bélgica

Vincenzo Visco, ex-ministro das finanças de Itália

Richard Murphy Professor de Practice in International Political Economy na City University London e membro da Tax Justice Network

Josep Borrell, ex-presidente do Parlamento Europeu

Luca Visentini, secretário-geral da ETUC - Confederação Europeia de Sindicatos

 

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