Líderes da China e de Taiwan vão encontrar-se pela primeira vez desde 1949

Encontro marcado para sábado em Singapura. Oposição acusa Ma de deixar a China entrar na campanha eleitoral de Taiwan.

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O Presidente de Taiwan (à esquerda) e o líder chinês (à direita) Reuters

Não serão assinados acordos, não haverá declarações aos jornalistas, nem antes nem depois, e os dois homens nem sequer se tratarão pelos títulos que têm nos respectivos países — serão o sr. Xi e o sr. Ma. É nesta aparência de vazio que vai decorrer, no sábado em Singapura, o encontro histórico entre os presidentes da China e de Taiwan, o primeiro desde que os dois territórios se separaram, em 1949.

Era o tempo de Mao Tsétung e Chiang Kai-shek, os homens que rasgaram a China em duas partes, com o comunista a vencer a guerra civil e a ficar com o “continente”, e o nacionalista a refugiar-se e ao seu governo na ilha de Taiwan. Durante algumas décadas, foi Chiang que prevaleceu na arena internacional, mas em 1971 a República da China perdeu o lugar nas Nações Unidas a favor da República Popular; alguns anos depois, em 1979, o sonho de supremacia acabou por ruir quando os Estados Unidos estabeleceram oficialmente relações diplomáticas com a China de Pequim.

Quase 70 anos depois, a convicção de Mao permanece — só há uma China e Pequim é a sua capital. Do outro lado do estreito de Taiwan, os políticos dizem o mesmo, que só há uma China, mas o ideal de supremacia foi-se esbatendo. E hoje, a maioria da população — dizem as estatísticas oficiais — só quer manter o status quo, o nome do acordo oficioso entre Pequim e Taipé, e que diz que nem a China invade Taiwan para recuperar este território que diz pertencer-lhe, nem Taiwan proclama a independência.

Quando o encontro foi anunciado em Taiwan — seria de seguida confirmado por Pequim —, um porta-voz de Ma disse que o objectivo é garantir a paz entre os países de ambos os lados do estreito e “a manutenção do status quo”. A agência noticiosa chinesa, Xinhua (Nova China) explicou que se tratava de uma decisão "pragmática" no "âmbito a aceitação do princípio 'só há uma China'".

Os taiwaneses ficaram inquietos com o anúncio da reunião histórica, e a explicação do porta-voz da presidência não acalmou a população que, dizem os analistas, está cada vez mais preocupada com os contactos entre os governos dos dois lados. As relações entre as duas capitais mudaram há oito anos, quando Ma foi eleito e aplicou uma política de aproximação que levou à realização de vários encontros entre representantes de ambos os lados e à assinatura de acordos de comércio e cooperação.

A política de aproximação provocou, em Março e Abril de 2014, um protesto estudantil que terminou na ocupação do Parlamento de Taipé — a revolta terminou quando o Governo se comprometeu a tornar públicas e a levar à discussão no Parlamento todas as suas iniciativas de aproximação à China antes de as concretizar.

Por causa dessa aproximação — a influência chinesa faz-se sentir cada vez com mais peso na economia de Taiwan —, as sondagens indicam que o Partido Nacionalista Chinês (KMT), que já tinha sofrido uma pesada derrota nas regionais do ano passado, vai perder o governo e a presidência, a favor do Partido Democrata Progressista (DDP), nas eleições que se realizam em Março.

Os analistas de Taiwan e ocidentais explicam que este encontro a menos de três meses das eleições é o último recurso de Xi e Ma para tentarem manter no poder em Taiwan um governo pró-Pequim. Vão, por isso, insistir em duas premissas — o status quo e as boas relações.

Para Xi Jinping, a simples existência desta reunião é uma vitória. Nenhum dos seus antecessores conseguiu arrancar um encontro a um líder de Taiwan. Para o Kuomintang, o efeito desta manobra pode ter efeitos muito negativos, acirrando os sentimentos anti-China. Para a oposição e para um vasto sector da população, a reunião histórica de Singapura é a prova de como Pequim está a interferir na política de Taiwan, a favor do Partido Nacionalista.

“Penso que as pessoas em todo o país estão como eu, surpreendidas”, comentou a líder do DDP e candidata à presidência, Tsai Ing-wen. “Um encontro de líderes de ambos os lados é um grande acontecimento, que envolve a dignidade e os interesses de Taiwan, e a população não pode ficar a saber de uma notícia destas desta forma que prejudica a democracia de Taiwan”, disse, citada pelo jornal Taipei Times. O porta-voz deste partido na oposição, Cheng Yun-peng, já tinha dito que a escolha da data era suspeita: “Como querem que as pessoas não vejam neste encontro uma operação política para influenciar as eleições?”

Cheng Yun-peng não é uma líder do agrado de Pequim. É a favor da declaração de independência e, em Março, fez uma visita exploratória aos Estados Unidos — que não reconhecem Taiwan como um país mas têm com o território um compromisso de defesa contra possíveis agressões da China. Foi repreendida por Pequim, cujo gabinete de relações com Taiwan emitiu uma declaração: “Opomo-nos firmemente a que qualquer pessoa inicie actividades sobre qualquer forma de ‘independência para Taiwan’ ou outras actividades separatistas na arena internacional.”

Só esta quarta-feira o governo da ilha reuniu com os partidos para explicar o encontro entre Ma e Xi — estava marcada uma manifestação de protesto frente ao Parlamento. E, já prevendo as críticas e ataques, Ma anunciou que na quinta-feira dará uma conferência de imprensa para explicar porque vai, a três meses das eleições, reunir durante 20 minutos, e depois jantar, com o seu vizinho sr. Xi. 

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