Maioria de esquerda rompe com a direita na câmara de Faro em defesa de um paraplégico

Um jovem engenheiro, em cadeira de rodas, pretende construir uma moradia onde já existia uma ruína, com mais 32 metros quadrados, em zona REN. A oposição aprovou, o presidente da câmara pediu ao tribunal que declare o acto nulo

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As relações políticas na Câmara de Faro degradaram-se Virgílio Rodrigues

Na câmara de Faro, os vereadores da oposição (PS e CDU) — em maioria no executivo — uniram-se contra a coligação de direita para aprovar a construção de uma casa em zona de Reserva Ecológica Nacional (REN), destinada a um paraplégico. O presidente da Câmara, Rogério Bacalhau (PSD), derrotado, queixou-se ao tribunal por considerar “nulo” o acto administrativo, que teve parecer técnico desfavorável. As razões “humanitárias” e o direito constitucional à habitação, invocados pelo requerente, não demoveram a coligação de direita (PSD/CDS-PP/MPT/PPM) que entendeu ter prioridade o cumprimento dos regulamentos.

A pretensão urbanística — construção de uma moradia T2 em substituição de uma velha casa já existente, com 31,18 metros quadrados — viola, segundo pareceres técnicos, o Plano Director Municipal (PDM). O requerente é Filipe Nascimento, de 38 anos — um engenheiro que ficou dependente de uma cadeira de rodas em consequência de um grave acidente de moto numa prova de rali. O projecto destina-se à construção de uma casa, adaptada à mobilidade reduzida, situada próximo da casa dos pais (com quem vive há dez anos, em Estói), para ter a necessária ajuda em caso de emergência.

Na reunião de câmara, no final da semana passada, o vereador do PS, Paulo Neves, voltou à carga com este assunto. O autarca, que foi cabeça de lista nas últimas eleições, propôs que o município promova a limitação da REN (independentemente da revisão do PDM, em curso há mais de um ano), uma vez que não se trata de caso único. “Não podemos estar aqui a deliberar como se estivéssemos num jogo de faz-de-conta”, disse. O que está em causa, justificou, não é avaliar de forma abstracta. Exemplificou: “aprovamos a construção de um stand de automóveis, numa zona de pré-parque da ria Formosa, como base num projecto que seria para observação de aves”. Mas não se ficou por aqui nas denúncias. “Há ainda aquela pocilga, licenciada depois de ter sido declarada de interesse público municipal”, acrescentou. Rogério Bacalhau concordou com a necessidade de existir uma “revisão das leis, não apenas da REN mas também da Reserva Agrícola Nacional (RAN) para adequar os instrumentos de ordenamento do território às novas exigências. “Nisso estamos do mesmo lado, divergimos é na forma de lá chegar”, afirmou, referindo-se ainda aos núcleos urbanos das ilhas-barreira, cujo perímetro a oposição pretende ver delimitados sem que tenha de esperar pela revisão de um PDM, em vigor há 20 anos.

A câmara de Faro, tal como a maioria dos municípios algarvios, não usou da prorrogativa que lhe confere a resolução do Conselho de Ministros nº 81/2012, para propor ao Governo a delimitação da REN. Essa situação, criticou Paulo Neves, leva à apreciação dos projectos de uma “forma casuística”. Por comparação com o projecto de Filipe Nascimento, apontou outra situação ambígua: “Numa propriedade, situada ao lado desta [sítio das Pereiras, Estói] está a ser construída uma casa nova. Por isso, questionou os critérios técnicos ou científicos que presidem à classificação desta parcela como pertencente à REN. “Muitas das vezes é apenas a grossura do traço do desenho no mapa”, comentou. Rogério Bacalhau defendeu-se alegando que não está em causa a sua opinião pessoal, mas o cumprimento dos regulamentos urbanísticos. “É uma questão de lei”, enfatizou. Não foi referido, mas ficou no ar o exemplo de Macário Correia que perdeu o mandato na câmara de Faro por ter licenciado obras contra o parecer dos técnicos, quando era presidente da câmara de Tavira.

Por seu lado, o vereador da CDU, António Mendonça apelou ao executivo para que olhe as pareceres técnicos com sentido crítico. “Não me candidatei para ser burocrata”. A este propósito puxou pelo parecer, negativo, emitido pela direcção regional da cultura, acerca de uma construção na zona velha da cidade, que estava na ordem de trabalhos. O presidente da Câmara reconheceu ser “inconclusivo” o juízo de valor, atendendo à forma como estava redigido. Por isso, mandou o assunto baixar à reapreciação. No processo de Filipe Nascimento, aquando da votação em 12 de Março de 2015, quando a oposição fez valer a força da maioria, o autarca comunista declarou que votava favoravelmente dado a “excepcionalidade do requerente, associada ao facto de não estar em causa qualquer interesse público relevante”. O advogado José Morais, em defesa do cliente, resumiu: a queixa sobre um acto que se afigura nulo ao presidente da câmara resultou do “facto de não ter conseguido impor a sua vontade [à oposição]”. O conflito aguarda julgamento no Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé.

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