Cartilha para um ministro distraído

Na minha última crónica, escrita a 18 de Outubro e publicada uma semana depois, escrevi: “O PSD/CDS têm toda a legitimidade para governar, foram escolhidos pelo povo para essa função. Cabe a esses partidos proporem uma solução viável no quadro parlamentar existente, com a certeza prévia de que terão de surgir alternativas, se não forem capazes de cumprir esse propósito. Quanto ao PS, é para mim claro que deve estudar todas as hipóteses para a constituição de um governo por si liderado.” E falava da pouca maturidade da nossa democracia, que parecia, na data, incapaz de considerar várias alternativas a partir da Assembleia da República (AR). A situação foi muito agravada pela intervenção do Presidente da República (PR), mas a AR está agora em funções e por certo encontrará soluções governativas que o PR terá de ter em conta.

Uma das soluções possíveis é a de o Governo de Passos Coelho, rejeitado na AR como tudo indica, poder continuar como Governo de gestão. Sou contra essa hipótese, por me parecer evidente que um executivo nessas condições não terá competência para conduzir as mudanças de que tanto necessitamos.

Um sector a necessitar de uma profunda alteração é o da Educação. Com mais ou menos paixão, ninguém a ousou fazer. E, no entanto, há muito se sabe onde a intervenção transformadora deveria ser realizada.

Em primeiro lugar, é crucial fazer baixar as taxas de retenção e desistência escolar, a começar sempre pelo 1.º ciclo. Sabe-se hoje que o percurso de sucessivas retenções se inicia no 1.º ciclo, sem que as dificuldades dos alunos tenham sido detectadas e sem que tenha sido iniciado o processo de as superar. A provável diminuição de alunos nas zonas mais desertificadas poderá levar ao excesso numérico de docentes, mas estes professores poderiam ser canalizados para o reforço das aprendizagens dos alunos com mais dificuldades.

Em segundo lugar e também no 1.º ciclo, é essencial avaliar e rever as metas de aprendizagem, que nalguns aspectos se afiguram absurdas. Como pensar em promover a leitura se é exigido um número de palavras lidas em cada minuto, sem ter em conta o desenvolvimento de cada aluno? Esta medida pode levar a que as crianças ainda leiam menos, o que não deixa de ser preocupante.

Em terceiro lugar e nos três primeiros ciclos do ensino básico, é preciso não colocar a tónica apenas nas disciplinas clássicas, mas ter a noção de que é necessário desenvolver o desporto, o teatro e a música. Experiências dispersas mas já avaliadas permitem concluir que estas actividades desempenham um papel importante no desenvolvimento infantil e juvenil, sendo essenciais para a integração, a melhoria do rendimento e combate à indisciplina (um dos grandes problemas da escola dos nossos dias).

Por último e para já, é urgente criar mecanismos que fortaleçam a responsabilização dos alunos pela melhoria do clima escolar. Nada se conseguirá sem alterar a ideia, tão prevalente em muitas crianças e jovens, de que a escola vale pelos amigos e que as aulas são um sacrifício nada estimulante. Assembleias de delegados de turma, constituição de comissões contra a violência onde os alunos tenham papel relevante, dinamização de projectos onde os mais novos tenham real protagonismo são alguns exemplos que um atento ministro deverá incentivar.

Sugestão: vão ao Teatro Nacional D. Maria II, onde o novo director Tiago Rodrigues conduz uma revolução tranquila. Em cena, Ricardo III, de Shakespeare, numa encenação brilhante de Tónan Quito.

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