Cat (sem) Power

Sábado à noite, no CCB, em Lisboa, a cantora teve uma prestação tépida, confusa, sem grande alento.

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Quase todos os admiradores da cantora norte-americana Cat Power contam histórias de como já assistiram a actuações suas sublimes e outras que foram um fiasco. Por vezes esses relatos desencontrados referem-se ao mesmo concerto. Aquilo que para alguns terá sido assombroso, para outros resulta em bocejo.

Este sábado à noite, perante um Centro Cultural de Belém totalmente lotado, foi isso que se sentiu. Os fãs mais empenhados não lhe regatearam aplausos, mas também existiu quem saísse mais cedo. Não foi o nosso caso, mas percebemos quem o tenha feito, perante uma prestação tépida, confusa, sem grande alento.

Parte do fascínio que Chan Marshall, ou seja Cat Power, provoca, advém dessa capacidade de partilhar as suas fraquezas connosco, que são também muitas das nossas. Faz parte de uma galeria de espíritos atormentados da cultura popular (Nina Simone, Janis Joplin, Nick Drake ou Amy Winehouse), mistura de tragédia e romance, que inspira em quem os preza desejo de amparo.

Por norma constituem a prova de que é possível cantar poeticamente acerca da rejeição, do isolamento e da desordem, coisas que por vezes julgamos ser os únicos a sentir. Quando em palco movem-se romanticamente no fio da navalha. A sua vida não se desune do palco. São a mesma coisa. A imprevisibilidade impera. Às vezes funciona, outras não. Sábado não funcionou.

E foi assim porque a sua voz, pura e sensual, de quem já fumou, bebeu e beijou sem saber se foi demais, nunca se impôs, e porque a sua forma de atribuir carga dramática a cada canção, alternando paixão e sussurros quase imperceptíveis, também não. Não se sentiram contrastes, pulsações diferentes, emoções diferidas.

O que tivemos, ao longo de duas horas, foi uma cantora em luta com os seus demónios e inseguranças, mas sem que nos conseguisse devolver isso de forma concludente, demasiado fechada sobre si própria. E os sintomas de que poderia vir a ser assim sentiram-se logo ao primeiro tema, na interpretação de Old Detroit, com ela a queixar-se do volume da voz nos monitores.

A partir daí foram um sem número de queixas com o som, algumas perceptíveis – como aconteceu quando começou a fazer concha com as mãos à volta do microfone, tentando criar um efeito de reverberação – outras nem por isso, porque a maior parte do tempo ruminava consigo própria, entendendo-se apenas alguns pedidos de desculpa entre, ou durante, as canções.

À guitarra eléctrica, ou ao piano, alternou momentos de alguma claridade emocional, logo seguidos de momentos falhados, com ela a tocar as canções de forma enleada num conjunto quase indistinto de temas seguidos. E foi pena, porque aquele conjunto de magníficas canções, entre originais seus (Moonshiner, Hate, The Greatest, I don’t blame you ou The Moon) e versões (What the world needs now de Bacharach ou Can i get a witness de Marvin Gaye), mereciam um outro tratamento. Assim, ficaram, quase sempre, submergidos nos fantasmas dela.

Assombrações essas direccionadas para o sistema de som – às tantas balbuciou que a sala era fantástica mas que o sistema digital a impedia de projectar a voz como ela desejava – mas que tanto poderia ser isso, como outra coisa qualquer. Quem já a viu noutras noites, solitária, sabe que é capaz de mapear o seu território magistralmente, feito de pausas, silêncios e sílabas cantadas com precisão, numa música triste, mas não depressiva.

Há uns anos, numa digressão com a sua banda, dizia que quando lhe faltava a confiança em palco lhe valiam as cantoras de suporte que lhe recordavam que tinha de cantar perante o público da mesma forma que o fazia quando ensaiava descontraidamente. “Não tenhas medo, não vale a pena, porque quando entras em palco, vê-se que ‘eles’ gostam mesmo de ti, rapariga”, diziam-lhe.

Sim, na noite de sábado viu-se que a maior parte do público gosta dela, mas por perto não estavam as cantoras de apoio para a ajudarem a transcender uma redoma de sensações bloqueadoras de onde nunca conseguiu sair.

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