Acusação de manipulação de dívida portuguesa é “simplesmente ridícula”

Antigo economista-chefe do FMI diz que acusações do Ministério Público contra Peter Boone não fazem sentido. Comunicado defende inocência do arguido.

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Simon Johnson foi economista-chefe do FMI entre 2007 e 2008 EUTERS/Stephen Jaffe

Para o antigo economista-chefe do Fundo Monetário Internacional (FMI), Simon Johnson, as acusações de crime de manipulação de mercado contra Peter David Boone, por parte do Departamento de Investigação e Acção Penal (DIAP) de Lisboa, não têm qualquer tipo de fundamento.

Segundo a acusação do Ministério Público, em 2010, Peter Boone, agora constituído como arguido, assinou artigos, juntamente com Simon Johnson, que terão contribuído para o agravamento das taxas de juro da dívida portuguesa, ao mesmo tempo que, através de uma sociedade em que era administrador, dava aconselhamentos, sem o revelar publicamente, a uma empresa que lucrava com essa tendência.

Questionado pelo PÚBLICO esta quinta-feira à noite, Simon Johnson, que não é visado pelo Ministério Público, afirmou num curto depoimento por escrito que conhece e trabalha com Peter Boone há mais de vinte anos, e que a ideia de que usou um artigo escrito em co-autoria consigo num esquema de manipulação de mercado “é simplesmente ridícula” e “um absurdo”. “Os investigadores envolvidos [inquérito-crime a Peter Boone] deviam estar envergonhados”, diz o actual professor do MIT Sloan School of Management e que ocupou a cadeira de economista-chefe do FMI entre 2007 e 2008 (foi substituído por Olivier Blanchard), rematando esperar que estes sejam “devidamente responsabilizados em Portugal e na Europa”. Ao contrário de Peter Boone, Simon foi transparente quanto aos seus interesses (não ligados ao mercado financeiro) e não foi acusado pelo DIAP.

Através de um comunicado enviado por uma agência de comunicação, também o visado pelo Ministério Público, Peter Boone, veio afirmar a sua inocência. Até aqui, tinha contado com o apoio jurídico da Cuatrecasas, Gonçalves Pereira mas mudou agora para a Uría Menéndez – Proença de Carvalho (com a sua defesa a cargo de Francisco Proença de Carvalho). “O dr. Peter Boone nega ter, em qualquer momento, praticado actos dessa natureza [manipulação de mercado] e irá defender-se veementemente desta acusação”, lê-se no comunicado. Segundo o mesmo, Boone “cooperou com as autoridades portuguesas desde o início das investigações e continuará a fazê-lo agora que o caso vai a julgamento”. E deslocou-se “voluntariamente a Portugal para ser ouvido e para prestar as informações necessárias à correcção dos vários erros cometidos e teorias alegadas pelo Ministério Público”.

A investigação foi desenvolvida pela 9ª secção do DIAP de Lisboa, que integra magistrados que têm uma vasta experiência na investigação de casos de criminalidade económico-financeira, e contou com o apoio da CMVM. E a acusação é considerada inédita. Fonte do MP explicou ao PÚBLICO que já foi enviada para Londres, onde o arguido vive, uma carta rogatória para o notificar da acusação. Nos próximos dias, o economista poderá pedir a abertura da instrução do processo para que um juiz avalie a acusação e decida se o caso será mesmo julgado ou não. Se não o fizer, o processo segue directamente para julgamento.

O Ministério Público, relembra o comunicado enviado em nome de Peter Boone, alega que, em conjunto com a Salute Capital e Moore Capital Management, Boone usou um blogue “para afectar adversamente o preço de Obrigações do Tesouro, com isso obtendo vantagens". Para o arguido, "estas alegações não têm qualquer fundamento dado que o Dr. Boone não manipulou o mercado nem o seu blogue está ligado a qualquer estratégia de negociação”.

Considerando ser “inconcebível” que as flutuações no preço das obrigações “possam ser atribuídas aos blogues do Dr. Boone”, o comunicado diz ainda que “expressar opiniões sobre assuntos de finanças públicas não só não constitui um crime como é um elemento essencial de uma sociedade democrática”.

Assim, sublinha-se, a acusação do Ministério Público “representa um ataque a esses valores”.  “Confiamos que as autoridades portuguesas irão reconsiderar os factos e determinar que este caso não deve chegar a julgamento”, diz o documento enviado às redacções, e que contém ainda palavras de apoio do antigo economista-chefe do FMI, Simon Johnson, semelhantes às que foram enviadas pelo próprio ao PÚBLICO.

Neste momento, Peter Boone, nascido no Canadá e com residência em Londres, está apenas sujeito a Termo de Identidade e Residência, a menos gravosa das medidas de coacção e que é, aliás, inerente à condição de arguido. O economista de 53 anos, doutorado em Harvard, ex-professor da London School of Economics e consultor de vários governos, como o russo, entrou no radar das autoridades portuguesas em 2012, cerca de dois anos depois das operações agora em causa. Nessa altura, o regulador do mercado de capitais, a CMVM, enviou informação sobre o processo para o Ministério Público, que investigou o caso até ter elementos para avançar com a acusação.

De acordo com o Ministério Público, ao mesmo tempo que assinava artigos, em 2010, sobre os riscos de Portugal no quadro da instabilidade da Grécia e da zona euro, Peter Boone estava ligado a uma empresa, a Salute (criada em Agosto de 2009 nas ilhas Caimão, e da qual era administrador). A Salute, por sua vez, dava conselhos de investimentos que eram seguidos por uma sociedade, a Moore, com sede em Nova Iorque. Esta última, ao apostar no agravamento da dívida pública portuguesa, terá ganho uma mais-valia avaliada em 819 mil euros. Segundo com a acusação, a Salute recebia uma comissão paga pela Moore, que estava ligada à rentabilidade dos investimentos sugeridos. Agora, o Ministério Público já requereu ao tribunal que venha a julgar o caso para que determine que estes 819 mil euros sejam pagos ao Estado português, com juros.

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