Contra o esquecimento da guitarra portuguesa solista

Pedro Caldeira Cabral apresenta este sábado, no Teatro São Luiz, em Lisboa, o concerto Guitarristas Lendários, afirmando a necessidade de revalorizar o instrumento na sua função solista

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Pedro Caldeira Cabral e o regresso da guitarra como protagonista ENRIC VIVES-RUBIO

Pela guitarra portuguesa de Pedro Caldeira Cabral passarão este sábado, no Teatro São Luiz, em Lisboa, três séculos de história do instrumento. Da peça Fofa da Rozinha, atribuída a António Leal Moreira na viragem do século XVIII para o XIX, a Baile dos Carêtos, do próprio Caldeira Cabral, o programa Guitarristas Lendários é assumido como uma “tentativa de valorização da guitarra” ao visitar a História e a tradição solista explorada por nomes como Anthero da Veiga, Armando Freire (Armandinho) ou Jaime Santos, com um enfoque muito particular em três gerações da família Paredes (Gonçalo e Manuel Rodrigues, Artur e Carlos). Na verdade, Caldeira Cabral, que se tornou próximo de Carlos Paredes quando este preparava com Fernando Alvim a gravação do mítico Guitarra Portuguesa (1967), isola mesmo o maior vulto do instrumento oficializando este concerto como uma homenagem ao músico falecido em Julho de 2004.

“Como ninguém se lembrou que o Paredes faria 90 anos em 2015, resolvi propor esta homenagem simbólica”, justifica Caldeira Cabral ao PÚBLICO. E aqui fica sintetizado o gesto do concerto Guitarristas Lendários: todo este reportório é uma declaração de luta profunda contra o esquecimento. É disso que fala quando nos diz que aquilo que o move é “a valorização da guitarra num momento em que está, de certo modo, vulgarizada e diminuída nesse papel – as pessoas esqueceram-se da sua tradição solística – devido à banalização do fado”. Ou seja, a guitarra portuguesa como instrumento de acompanhamento tornou-se “avassaladora” e deixou de se fazer ouvir como protagonista.

O desaparecimento progressivo da guitarra das salas de concertos, aponta Caldeira Cabral, terá tido início com a saída de cena de Carlos Paredes em 1993, devido a doença. Depois, a pouco e pouco, lamenta o músico, “a renovação do fado – que descreve hoje como “sobretudo um produto turístico-hoteleiro, sem a expressão genuína que tinha antes” – deixou ao instrumento um papel de “acessório decorativo”.

O estatuto de lendário

Montado pela primeira vez em 2008, por encomenda de um promotor holandês, o programa de Guitarristas Lendários é agora recuperado por Pedro Caldeira Cabral, incluindo-se o próprio neste grupo. “Assumo-me como guitarrista lendário – passe a imodéstia da minha atitude”, diz. “Tenho essa dimensão pela extensão da minha produção, pelas marcas que já deixei ao fim de 48 anos de profissão.” E é apenas por isso, esclarece, que não estende o reportório do concerto até novos criadores como Ricardo Rocha ou Miguel Amaral, os mais destacados intérpretes de uma nova geração que aborda guitarra portuguesa a solo desembaraçando-se do acompanhamento do fado. Assim, no seu entender, Rocha e Amaral estão ainda a construir o seu corpo de trabalho e em fase de afirmação.

No intervalo da apresentação das peças escolhidas por Caldeira Cabral, o guitarrista propõe-se ainda contextualizar cada criação com “aspectos do enquadramento social do instrumento em diferentes épocas”. Promete, entre uma e outra interpretação, desvendar o ligeiro travo brasileiro que se identifica em Fofa da Rozinha, informar o percurso internacional de que guitarristas como Anthero da Veiga foram capazes de seguir no seu tempo, lembrar quando se formava fila todas as quintas-feiras à porta da casa Lisboa à Noite, da fadista Fernanda Maria, nas noites em que Jaime Santos apresentava uma hora de guitarradas ou fazer ouvir uma versão particular de Valsa Triste, de Artur Paredes, repescada de uma série de fitas particulares com que alguns destes executantes se correspondiam – e que patenteiam versões diferentes daquelas que as discografias oficiais inscreveram.

É sempre por aí que passa esta valorização da guitarra portuguesa. Não apenas através do reportório, desconhecido da maioria, mas também do legado e do papel histórico. Sempre necessário recuperar quando, acredita Caldeira Cabral, já nem Paredes parece ser lembrado.

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