Ferro Rodrigues é o único presidente da AR que não vem do partido mais votado?

Foi o líder parlamentar do PSD, Luís Montenegro, quem o disse. Será verdade? O PÚBLICO faz a prova dos factos.

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Ferro Rodrigues no dia em que ocupou o lugar deixado vago por Assunção Esteves Pedro Elias

A frase

 

O contexto

Na semana passada foi eleito presidente da Assembleia da República Eduardo Ferro Rodrigues, sucedendo a Assunção Esteves como dirigente e coordenador dos trabalhos no Parlamento. O economista e professor universitário, candidato proposto pelo PS, concorreu contra o social-democrata Fernando Negrão, tendo sido nomeado presidente da Assembleia à primeira-volta, obtendo 120 votos dos 116 necessários.

O líder parlamentar do PSD, Luís Montenegro, muito crítico da votação, lamentou o fim de “uma boa tradição” da democracia portuguesa: fazer eleger para a presidência do Parlamento um candidato proposto pela força política mais votada nas legislativas. O líder parlamentar do CDS-PP teceu a mesma crítica a Ferro Rodrigues e às bancadas de esquerda. Nuno Magalhães deu ainda o exemplo do antigo dirigente socialista Jaime Gama, eleito presidente do Parlamento em 2009 apesar do governo minoritário do PS na altura.

Os factos

Ferro Rodrigues foi eleito presidente da Assembleia da República depois de ter sido proposto por um partido que não o mais votado nas legislativas anteriores. Como ele houve mais dois — Oliveira Dias e Fernando Amaral, mas em circunstâncias diferentes, uma vez que nestes dois casos a proposta foi apoiada pelo partido mais votado, o que não aconteceu no caso de Ferro Rodrigues.

Oliveira Dias foi o 5.º presidente da Assembleia da República portuguesa desde o 25 de Abril. Era médico de profissão e participou na fundação do CDS-PP, onde exerceu vários cargos. Entre 1981 e 1982 assumiu a presidência do Parlamento, tendo sido proposto à eleição pelo CDS, que governava na altura em coligação com o PSD e o PPM, na chamada Aliança Democrática. O primeiro-ministro era Francisco Pinto Balsemão, do partido com mais deputados dessa legislatura, o PSD, que apoiou a eleição de Oliveira Dias.

Fernando Amaral foi eleito em Outubro de 1984, apoiado pelo PSD. O antigo ministro-adjunto de Francisco Pinto Balsemão foi eleito 8.º presidente da Assembleia com o apoio do partido mais votado, o PS. Este foi o período do chamado Bloco Central, em que o PS liderado por Mário Soares governou em coligação com o PSD, que tinha Carlos Mota Pinto (PSD) como vice-primeiro-ministro. 

Desde 1976, depois de Henrique de Barros ter presidido à Assembleia Constituinte, a Assembleia da República teve mais 13 presidentes: Vasco da Gama Fernandes, seguido de Teófilo Carvalho dos Santos, ambos do PS; depois Leonardo Almeida, do PSD, Oliveira Dias, o já referido presidente do CDS, Tito de Morais (PS), Fernando Amaral, Vítor Crespo e Barbosa de Melo, todos do PSD, Almeida Santos (PS), Mota Amaral (PSD), Jaime Gama (PS), Assunção Esteves (PSD) e agora Ferro Rodrigues.

Quanto à referência de Nuno Magalhães a Jaime Gama, é verdade que este foi reeleito presidente da AR em 2009 - quando o PS já tinha perdido a maioria absoluta - com a esmagadora maioria dos votos: obteve 204 'sim', tornando-se o presidente da Assembleia mais consensual de sempre.

Em resumo

Luís Montenegro está factualmente correcto, pois refere-se ao facto do presidente da Assembleia ter sido proposto e eleito com o apoio do partido mais votado, mesmo quando não saiu das suas fileiras. Mas já por duas vezes a segunda figura do Estado emanou de uma bancada que não era a maioritária.

Texto editado por Leonete Botelho, corrigido às 11h45 de sexta-feira, para esclarecer que, mesmo quando o presidente da AR não pertenceu, no passado, ao partido mais votado, a sua eleição foi aprovada por este e existia um governo de coligação.

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