Orçamento da UE aprovado com os olhos postos no acordo de esquerda em Lisboa

Uma emenda que o Grupo da Esquerda Europeia apresenta há vários anos teve, desta vez, direito à ribalta.

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"m resgate que é preciso fazer é o da democracia e o da política." João Cordeiro

A emenda 29 foi chumbada. É assim há três anos, com a sua formulação actual. O GUE/NGL, Grupo da Esquerda Europeia/Esquerda Verde Nórdica, que junta os eurodeputados do PCP, do BE, do Podemos espanhol, do Syriza grego, do Die Linke alemão, do Sinn Féin irlandês, entre outros, tenta alterar o relatório que acompanha o Orçamento comunitário – um documento político, do tipo Grandes Opções do Plano. São apresentadas milhares de emendas. Mas a número 29 saiu, desta vez, de Estrasburgo para a imprensa portuguesa.

A emenda diz o seguinte: “O Orçamento da União deveria ser utilizado para privilegiar as políticas de convergência real, baseadas no progresso social e na salvaguarda e promoção do potencial de cada país, a criação de emprego, a utilização sustentável dos recursos naturais e a protecção do ambiente, tendo por objectivo uma verdadeira coesão económica e social; rejeita o Tratado de Estabilidade Orçamental, a Governação Económica e o Pacto para o Euro Mais, que se baseiam na adopção de mais medidas de austeridade e na sua perpetuação a nível tanto da União como dos Estados-membros e que agravarão a actual crise económica e social, em particular nos países que se encontram numa situação económica e social mais difícil.”

É, como explica a eurodeputada do BE, Marisa Matias, uma declaração política do grupo e não, ao contrário do que já foi sugerido, uma proposta dos eurodeputados portugueses. E nem sequer é uma proposta. É uma emenda ao relatório que este ano é da autoria do eurodeputado do PSD José Manuel Fernandes, em parceria com o francês Gérard Deprez.

Se, por absurdo, fosse aprovada, não teria nenhuma implicação prática sobre o Tratado Orçamental. É que o Tratado Orçamental não faz parte, sequer, do acervo de “direito comunitário”. É um tratado intergovernamental. Se os eurodeputados portugueses do PCP e do BE quiserem contestar com eficácia o tratado, terão de optar por outro mecanismo legislativo: apresentar uma proposta de resolução no Parlamento Europeu. Não basta fazer aprovar uma emenda à boleia do Orçamento.

Isso não impede que os eurodeputados do PSD e do CDS apontem o dedo às negociações à esquerda em Lisboa. “Isto demonstra que António Costa está a enganar os portugueses porque diz que tem um acordo que não põe em causa o euro, a governação económica e o Tratado Orçamental, enquanto os partidos com que está a negociar esse acordo, aqui, em Estrasburgo e em Bruxelas, têm a posição contrária", afirma José Manuel Fernandes, o relator, do PSD, ao PÚBLICO. Paulo Rangel, também do PSD, considera que esta posição tomada pelo BE e pelo PCP "obriga também o PS a explicar-se". "Se o BE e o PCP estão disponíveis para esquecer o Tratado Orçamental, não podem estar a tomar uma posição contraditória em Bruxelas", acrescenta Rangel.

Marisa Matias começa por ironizar: “Nunca os vi tão chocados no passado… Esta emenda foi apresentada neste ano, no ano passado e no ano anterior. Só se lembraram este ano?” Para a eurodeputada, é claro o objectivo do PPE: fazer pressão sobre as negociações de Lisboa.
Já o eurodeputado do PCP João Ferreira lamenta que os seus colegas do PSD "inventem uma posição do PCP para depois a criticar": "O PCP não tem duas posições, tem a mesma, seja em Lisboa, Estrasburgo ou Bruxelas"; esclarece.

Rangel responde: "Só ficamos chocados por dizerem que aceitam o Tratado Orçamental nas negociações em Lisboa, quando em Bruxelas estão a dizer o contrário."
João Ferreira discorda: "A posição que temos sobre o Tratado Orçamental não nos impede de nos empenharmos num diálogo com outras forças políticas, designadamente o PS, para encontrar soluções para os problemas graves do País e corresponder à vontade de mudança expressa pelo voto dos portugueses."

“Uma coisa não tem nada que ver com a outra. É uma mistificação”, acrescenta, em resposta às críticas dos eurodeputados do PSD, Marisa Matias. A eurodeputada acrescenta não se podem tirar conclusões a nível interno da rejeição, pelos eurodeputados do PSD e do CDS, de outras emendas apresentadas pelo GUE, que são menos ideológicas. E enumera: A emenda número 700 defendia a redução do salário dos eurodeputados, e foi chumbada; a 703 defendia a redução do montante das diárias dos eurodeputados, e foi chumbada; a 1045 defendia mais financiamento comunitário para a criação de emprego jovem, e foi chumbada; a 1054 defendia a obrigatoriedade de ser disponibilizado leite em todas as escolas da UE, e também foi chumbada.

 

Notícia actualizada às 16.00: Acrescenta as declarações do eurodeputado João Ferreira.

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