O Presidente tem razão

Muitos do que agora criticam o Presidente serão, dentro de alguns meses, os primeiros a lembrar que ele avisou. Bastará ler editoriais e artigos de opinião.

1. Depois do coro estridente de reacções ao discurso presidencial, é tempo de olhar serenamente para a realidade. É espantoso como tantos observadores, jornalistas, comentadores e políticos verberaram tão violentamente o teor da mensagem presidencial. Não merece sequer a pena falar das tiradas barrocas, românticas e tonitruantes de Manuel Alegre, no melhor estilo do que já só se pode apodar de “nacional-alegrismo”, em que o próprio se arroga o papel de grande (e quase único) patriota e ataca o Presidente com um sectarismo e um facciosismo lamentáveis. Mas vale o esforço reflectir sobre o conteúdo e o sentido da mensagem de Cavaco Silva.

2. Ao invés do que se propalou, na boca e na caneta de muita gente que se tem – e bem – por sensata, o Presidente fez um discurso judicioso e responsável. Estamos hoje a 27 de Outubro e ainda não há qualquer sinal de um acordo minimamente sólido do PS com as esquerdas extremas e radicais. Basta ter assistido à entrevista de Jerónimo de Sousa à TVI para perceber quão evanescente é a perspectiva desse acordo. Por um lado, escapou a qualquer garantia temporal de suporte de um governo PS, refugiando-se na incapacidade para fazer “futurologia” (sic). Por outro, nesta e noutras ocasiões, incluindo na letra escrita do Avante!, termina sempre a dizer que o PCP apoiará todas as medidas que sejam benéficas para as classes trabalhadoras e estará contra todas as que sejam prejudiciais a essas mesmas classes – ou seja, o PCP só apoiará as políticas e as medidas que entender. Com um critério deste jaez, que depende de um juízo unilateral, não haverá decerto qualquer garantia de estabilidade. Que se esperaria então do Presidente? Que dissesse que havia um acordo firme e consistente? Ou que fazia fé no bom e proficiente desenrolar das negociações em curso? Mesmo e sobretudo quando uma das partes – pelo menos, essa, o PCP – declara urbi et orbi que não alinha em garantias temporais e que subordina qualquer apoio ao critério dos efeitos benéficos para as classes laborais?

3. Mais gritante ainda é o “rasgar das vestes” e o “esventrar de corpos” com a ideia de que o Presidente ostracizou dois partidos, pôs de lado um milhão de eleitores, excluiu do “direito à governação” centenas de milhares de cidadãos. O Presidente teria excomungado o PCP e o BE, teria ressuscitado o PREC e a linha divisória de Rio Maior, leu-se e tresleu-se por aí.

Estes dois partidos foram sempre contra o Tratado de Lisboa e o Tratado Orçamental, dois pilares incontornáveis da nossa inserção europeia (pelo menos, no quadro actual). E, no caso do PCP, foi sempre adversário da pertença à União Europeia, da adopção da moeda única e da integração na NATO. Enquanto, no caso do BE, embora advogando uma permanência no euro e na UE, tem sistematicamente feito a defesa de um perdão unilateral e radical da dívida que é, pura e simplesmente, incompatível com essa permanência – para lá de reivindicar, à semelhança do PCP, uma saída imediata da NATO. Estas ideias-chave do programa político destes partidos foram reiteradas em plena campanha eleitoral e estavam inscritas no coração dos respectivos programas. Conhecendo-se a proximidade destes partidos aos fenómenos populistas de extrema-esquerda do tipo do Podemos ou do Syriza (versão de Janeiro-Julho de 2015), que confiança pode gerar um governo de que façam parte ou que seja sustentado e condicionado por eles? Não será de esperar uma reacção impiedosa dos investidores potenciais e dos mercados? Não será de aguardar uma inversão da tendência de descida das taxas de juro? Não será de contar com a desconfiança generalizada dos credores e dos nossos parceiros europeus? E isso não terá consequências maléficas sobre a vida concreta dos portugueses? Acaso se pode advogar que o Presidente deveria ter ficado quedo e mudo ante esta realidade? Não deveria ele prevenir e chamar a atenção dos seus concidadãos para os riscos e perigos de trazer para a esfera de governo partidos radicais e populistas que sempre se conservaram fora dela? Que dizer então dos fenómenos de extrema-direita em França ou na Suécia, em que os partidos do centro-direita e do centro-esquerda claramente assumem uma zona de exclusão? Serão a França e a Suécia democracias musculadas, imaturas e insensatas, a roçar a ditadura?

4. Tendo estes partidos aventado que nada exigiriam quanto à saída do euro, da UE e da NATO ou à reestruturação da dívida, é ainda mais tortuosa a circunstância de continuarem na esfera europeia a tudo fazer para levar adiante essas bandeiras. Como é possível estarem à mesa das negociações com um aparente abandono ou uma suspensão dessas exigências e actuar, simultaneamente, em Bruxelas, com propostas concretas em sentido contrário? Enquanto o PCP conversa com o PS, os seus três deputados europeus convidaram todos os restantes (portugueses incluídos) a assinar uma proposta de emenda ao orçamento europeu para constituir uma linha financeira de apoio a uma saída negociada do euro. Em Lisboa o PCP aceita ficar no euro, mas em Bruxelas tudo faz para que Portugal saia da zona euro. E, por sua vez, o BE, pela mão da sua candidata à presidência e também deputada europeia, co-assina com aqueles três deputados, uma emenda orçamental (a emenda 29) em que defende abertamente a revogação do Tratado Orçamental e de outros instrumentos da actual governação económica. Este comportamento dúplice do PCP e do BE mina ainda mais a confiança de parceiros europeus, credores, investidores e mercados. E obriga o PS a dar uma explicação cabal. Como pode o PS negociar na base de uma suposta “trégua pró-europeia” e, ao mesmo tempo, ver estes partidos a torpedearem de todo o vezo e maneira os pilares do projecto europeu? Neste preciso contexto, o que se espera do Presidente? Que cale e consinta, não dando nota aos portugueses do que está em jogo?

Muitos do que agora criticam o Presidente serão, dentro de alguns meses, os primeiros a lembrar que ele avisou. Bastará ler editoriais e artigos de opinião.

 

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