A nostalgia acaba de iniciar sessão
Emily is Away propõe uma viagem narrativa entre 2002 e 2006 pelas relações que desabrocharam e murcharam nos clientes de mensagens instantâneas.
A nostalgia é uma pele que nunca chegamos a mudar completamente, uma ecdise interrompida sempre que um estímulo nos devolve a outro período e nos faz divagar pelo diâmetro temporal à sua volta. A tecnologia é pródiga a patrocinar estes momentos, relembrando-nos o que usávamos há anos e todas as implicações que isso tinha: pessoas, lugares, emoções – um carrossel do que erámos e do que passamos a ser.
Uma peça tecnológica com várias ramificações directas é aquela que permitia comunicações com outros, clientes de mensagens instantâneas que nos avisavam em tempo real quando alguém tinha ficado disponível do outro lado, conversas noites adentro sobre o que passava com o mundo e connosco, personalidades enganchadas e separadas uma tecla de cada vez.
Emily is Away é um videojogo que assenta precisamente nessa peça, transportando o jogador para várias sessões de conversa nos clientes de mensagens instantâneas AIM. Entre os anos 2002 e 2006 vamos passando por cinco capítulos, desenvolvendo uma relação com uma rapariga chamada Emily nos anos que cobrem o final do liceu e a faculdade; período que é usado para testemunhar também os encantos e desencantos das relações vividas à distância.
Começando com a aquele som distinto e cru do computador a iniciar, a emulação arranca com a escolha do nosso nome de utilizador e com o nosso primeiro nome – que pode ser real ou não. E então avançamos escolhendo o ícone de um sortido que oferece, por exemplo, logos de Eminem, Harry Potter, Red Hot Chili Peppers ou Blink-182, e que com o passar dos anos tenta acompanhar as novidades, passando para um leque que inclui, entre outros, Matrix, 50 Cent, Batman, Sin City.
Logo no início do jogo Emily reconhece e comenta a nossa escolha, ou seja, além de servir para contextualizar a obra, pisca o olho à narrativa, ainda que muito breve e levemente. E é também desde o início que sabemos a malha do jogo: Emily tem um ícone dos Coldplay e a citação de uma das letras da banda no seu perfil, porém, uma das primeiras escolhas permite-nos afirmar qua a formação liderada por Chris Martin não presta, opção que obviamente não lhe agrada e despoleta o aviso que ela se lembrará da nossa escolha, dissipando eventuais dúvidas que estamos perante uma obra assente na narrativa e apresentada num molde idêntico ao que tornou a Telltale reconhecida.
E começamos a definir a relação que temos com Emily, para que universidade vamos, se a ida a uma festa próxima está dependente da sua presença, quem é determinada pessoa na sua vida, ou seja, logo no primeiro capítulo temos vários ângulos para começar a exprimir que pessoa queremos que Emily seja na nossa vida em simultâneo com o tipo de pessoa que pretendemos ser na vida dela.
A cada situação que a narrativa da obra necessita de manutenção podemos escolher uma de três hipóteses, sendo curioso ver que ocasionalmente a nossa representação digital escreve, apaga e ajusta a resposta dada, algo que nos momentos finais de Emily is Away se torna mais gravoso, com as nossas respostas a serem completamente obliteradas e alteradas, encurralando o jogador. Esta forma pode ser frustrante, contudo transparece também as guinadas do pensamento no último momento, algo que pautou muitas sessões nos clientes de mensagens instantâneas reais.
O mais apelativo do jogo é ir compreendendo as frustrações dos dois personagens com a entrada de outras pessoas nas suas vidas, com o cerne das escolhas, aquele que certamente determina quem são para o outro, a progredir sobre este tema. É um jogo de fumo e espelhos, pois a toada tende a amenizar demonstrações de afecto até Kyle Seeley, criador da obra, achar que chegou o momento certo: “eu preocupo-me contigo” passa a “há pessoas que se preocupam contigo”.
Apesar de estarmos sentados em frente a um ecrã dentro de um ecrã, Emily is Away consegue fazer-nos sentir que há uma aproximação e um afastamento entre eles com base em determinados momentos-chave, como a festa já mencionada ou uma visita “no próximo fim de semana” – que pode ou não acontecer com base nas nossas escolhas – e que mesmo que aconteça não suaviza os solavancos da recta final.
Pela minha experiência com o jogo, tendo-o terminado várias vezes com escolhas completamente distintas, é precisamente na fase final que Emily is Away se torna implacável a demonstrar uma frieza e um caos emocional que pode facilmente ser transferível para relações que não passaram pelo crivo dos clientes de mensagens instantâneas.
É um aglomerado que não agradará a todos, com o controlo da situação a fugir ao controlo dos dois personagens e a ser definido por aquilo que às vezes a própria vida coloca em prática praticamente sem aviso prévio. É um sentido rítmico encontrado na confusão, como se esta relação fosse tocada como o solo de bateria em Caravan, um não compreender que de certa forma sabemos estar no sítio certo.
Mesmo sem enveredar pelo lado mais romântico e imediato, o jogo não precisa de uma hora para ser tona a promessas que o tempo se encarregou de dissuadir, afinal nem todos que disseram “estar sempre lá” estiveram mesmo. Emily is Away começa por ser uma fisgada de nostalgia, passa pelo desabrochar e murchar de uma relação e pode acabar como uma cavilha que despoleta o remanescer da conjugação da nossa vida com as dos outros.
Emily is Away está disponível em versões para Linux, Mac e Windows. Não tem preço definido, ou seja, os jogadores pagam o que entenderem para o descarregar.