Os livros são alimento para a mente, mas a música também

Boa música, pessoas interessadas, público limitado e uma noite de muitas surpresas. Foram estes os ingredientes da segunda edição do Sofar Sounds Porto, que desta vez se realizou na Livraria Lello, e que promete novas sessões em breve.

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Nove e meia da noite. As luzes da Livraria Lello, surpreendentemente, continuam acesas. Pessoas à porta. O cenário é tudo menos o habitual. E está prestes a melhorar. Três concertos intimistas, para um público pré-seleccionado, em que o objectivo será o de proporcionar aos amantes da música uma experiência única. No Sofar Sounds, as pessoas candidatam-se para o evento, de acesso limitado, sem saberem onde será e quem actuará. É a magia da “música pela música”, como não se cansa de referir João Afonso, o representante da organização.

A toda a mística de um evento limitado, juntou-se na noite de quarta-feira a grandiosidade da livraria Lello, um espaço que leva o seu nome além-fronteiras. As portas demoram a abrir para quem conseguiu o bilhete dourado e foi convidado para o evento. A impaciência começa a notar-se, a curiosidade a aumentar a cada minuto. A livraria, que foi já considerada uma das mais belas do mundo, acolhe no fundo das suas escadas os músicos convidados da segunda edição do Sofar Sound no Porto. O público sente-se em casa, senta-se no chão, nas escadas, encosta-se às estantes. Numa das prateleiras, lê-se: Books are food for the mind [os livros são comida para a mente]. Numa noite distinta, a música provou, mais uma vez, que também o é.

Às dez horas, João Afonso abre a segunda edição, contando a origem do conceito, desta vez numa casa cheia de história e de histórias: “Reza a lenda que no primeiro Sofar se ouvia o relógio de parede”. Já com o público preso ao que ainda não começou, aproveita para pedir desculpa pelo atraso, mas promete: “Vai valer a pena”.

E vale. O primeiro convidado, Guilherme Órfão, veio da Madeira para o Porto para estudar, mas não deixa as suas raízes, antes as homenageia. Acompanhado do braguinha, da viola de arame e do rajão, alterna entre originais e músicas que todos conhecem. O público surpreende-se com a versão de Bohemian Rhapsody, dos Queen, inteiramente tocada com cordofones e com recurso a tecnologia, como pedais, loop station e stompboxes. O repertório, que nestes concertos tem cerca de 30 minutos, tem ainda espaço para um dueto com Daniel Pereira, um conterrâneo, e para o seu cavaquinho, que segundo Guilherme Órfão “é o pai do braguinha”. No final, Daniel elogia o jovem madeirense: “Este rapaz tem 19 anos e já é um grande músico, imaginem daqui a uns anos!” e prossegue:  “Ainda bem que temos um militante destes. Esta é a nossa cultura, e em vez de termos vergonha dela temos de trabalhar para que seja cada vez melhor, para que os nossos instrumentos, a nossa identidade, sobreviva “.

Depois de um intervalo, é a vez de Emmy Curl se instalar no fundo da escadaria. De guitarra na mão, ar dócil, com Vanessa a acompanhá-la no teclado, dispensa as apresentações iniciais e começa imediatamente com Birds among the Ocean, um dos vários originais que apresenta, entre música portuguesa e estrangeira, novos singles ou músicas já apresentadas, homenagens à terra natal [Vila Real] ou transcontinentais. Em Sand Storm, Emmy procura as raízes africanas, naquilo que define como “Uma música do contacto do ser humano com a natureza. Uma música feminista, também”. O público deixa-se levar pelo repertório. Quando se esgota o tempo, fica o desejo de mais.

A noite não pode, contudo, parar. Há ainda um outro espectáculo, mais 30 minutos de intensidade que mais uma vez deixam o público de olhos fixos nos artistas. Rui Oliveira actua com DJ Deão, no âmbito do projecto Andarilho 2.0. As raízes desta iniciativa são, mais uma vez, inteiramente portuguesas. Rui define-se como “um cantor de canções”, mas surpreende todos aqueles que não conheciam o projecto. À sua potência vocal, junta-se a arte da electrónica do Dj Deão, que Rui explica: “Senti necessidade de fazer esta junção. As canções tradicionais por vezes parecem música anacrónica". "Esta vertente electrónica faz-me sentir que estamos em cima do tempo de hoje”, sintetiza.

No final dos espectáculos, respira-se a sensação de uma noite única. Artistas, organização e público partilham do sentimento de magia que as paredes da livraria viveram. Emmy fixa a montra do espaço, ainda decorada pelo vestido dos Storytailors, enquanto reflecte: “senti as coisas a conjugarem-se. Quando o ambiente é bonito, o artista também se inspira, e hoje senti uma constante inspiração”. O local onde o evento se realizou também não lhe foi indiferente: “Senti que tinha de fazer justiça à maravilha desta arquitectura, estava com medo de não estar à altura, mas superou as minhas expectativas”.

Rui Oliveira destaca também “o peso da mística da casa”, e resume o evento: “As pessoas respeitaram o conceito, fizeram silêncio, desfrutaram. Foi fantástico!”. Guilherme Órfão partilha desta opinião: “a atitude da plateia foi muito acolhedora, muito interessada. É o principal”.

Sobre o conceito, Emmy considera que “[estas iniciativas] incitam à espontaneidade, não há nada mais honesto que isso,  as pessoas vêm, mesmo não sendo um concerto marcado, decidido. Não há nada mais bonito que isso”. Esta opinião é partilhada por Rui Oliveira, que destaca a proximidade com o público: “acho muito interessante quando as pessoas procuram este tipo de concertos, mais especiais, escondidos. São pessoas que têm muito interesse pela música, têm paixão, e o ambiente que se cria é diferente”. Rui afirma também que é este público “quem partilha, quem divulga, quem fala sobre o que viu”, motivo pelo qual considera este tipo de iniciativa uma vantagem também para os artistas que neles actuam.

Também no que aos projectos que ambicionam diz respeito, a opinião é unânime: continuar a fazer música. Em tom de brincadeira, Rui Oliveira afirma: “Quero continuar a viver a minha vida de forma honesta, a fazer música e a viver disso”. Já para Guilherme Órfão, o desejo é “continuar a tocar quanto possível em bons palcos”, salientando que o seu objectivo é “a divulgação dos instrumentos”. Para Emmy Curl, que acabou de lançar o seu primeiro cd, Navia, o futuro passa, se possível, “por dar muitos concertos”. “É o que um músico mais deseja”, declara, acrescentando: “Gostava de tocar noutras cidades. É das coisas mais gratificantes que um músico pode receber”.

O relógio, que nesta noite não estava na parede e só por isso não se ouviu, tinha já há muito dado as doze badaladas quando se fecharam as portas. Mas naquele dia não era o livro da Cinderela que se lia na casa de todas as histórias. Na noite de quarta-feira, contou-se uma outra história – a do dia em que a Lello abriu para que todos os cantos respirassem boa música. E em que havia uma certeza – quem ali estava, estava pelo prazer de ouvir aquilo que a Sofar Sounds tivesse para lhes dar.

Sobre o Sofar Sounds
O Sofar Sounds surge em Londres depois de os fundadores se sentirem frustrados com a forma como a música era tratada. Decidem criar um conceito intimista, onde o público está interessado genuinamente na música. Organizam assim concertos secretos, onde o público só sabe o local 24 horas antes e só conhece os artistas na hora do concerto. Procuram sempre a diversidade das bandas apresentadas, para conseguirem chegar a todos os estilos musicais. Desde 2009, já se espalhou por mais de 170 cidades, incluindo o Porto, onde decorre desde 2015.

Sobre a segunda edição, João Afonso afirma “as inscrições duplicaram”. Para dar uma noção do impacto, refere a cidade de Istambul: “Num concerto para 100 pessoas, houve mais de 5000 inscrições”. O objectivo passa agora por alargar pontualmente a outras cidades, como Braga, Barcelos ou Guimarães, como refere a título de exemplo. Para já, confirmam-se mais duas edições no Porto, a 23 de Novembro e 20 de Dezembro, esta última num outro registo: “Vamos tentar experimentar a adesão do público ao final da tarde”, refere. Texto editado por Ana Fernandes

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