O futuro está na patinagem?
1. Claudia Pechstein – uma patinadora em velocidade – veio a ser sancionada pelo órgão disciplinar da ISU (International Skating Union), por razões ligadas a infracções a normas antidopagem, com desqualificação respeitante a todas as provas em que participara no dia do controlo de antidopagem e, paralelamente, com uma suspensão da actividade desportiva no período compreendido entre 9 de Fevereiro de 2009 e 9 de Fevereiro de 2011. A atleta e a federação alemã recorreram ao Tribunal Arbitral do Desporto de Lausana (TAS), propondo uma acção e providências cautelares no sentido de permitir que a atleta pudesse voltar a competir e treinar. O TAS rejeitou as suas pretensões, mantendo as sanções aplicadas pela ISU.
2. Um recurso da decisão do TAS, para o Tribunal Federal Suíço, também não logrou obter sucesso. Assim, no momento em que a suspensão da actividade (também profissional) veio a ser aplicada pela federação alemã, a atleta propôs uma acção nos tribunais estaduais alemães. Pretendia a declaração da ilegalidade da sanção e uma indeminização avultada. Em primeira instância, o tribunal alemão negou as pretensões da atleta mas, contudo, disse algo de muito importante para lá do caso concreto. Afirmou que existia uma desigualdade estrutural entre as partes que implicava a constatação de que a convenção de arbitragem era ineficaz (de recurso ao TAS).De todo o modo, por outras razões, não conheceu do mérito da causa.
3. A atleta recorreu para uma segunda instância que se pronunciou no início deste ano (15 de Janeiro). Desta decisão avulta um dado bem significativo: a convenção de arbitragem celebrada viola a ordem pública, na medida em que a atribuição de competência ao TAS consubstancia um abuso de posição dominante do associativismo desportivo, uma vez que, não sendo independente daquelas entidades, não pode ser considerado um verdadeiro tribunal arbitral. Em consequência, as decisões do TAS não podem ser reconhecidas no ordenamento alemão. E não deixou ainda de sublinhar a exigência da ISU na celebração de uma convenção de arbitragem como condição de participação nas competições. Da conjugação dos argumentos do tribunal alemão resulta que a submissão ao TAS surge simplesmente da posição monopolística da federação internacional.
4. No início deste mês a Comissão Europeia anunciou a abertura de uma investigação às regras que regem a ISU e que determinam a expulsão dos atletas que participem em competições e provas não aprovadas por essa federação internacional.
Após a apresentação de uma queixa de dois atletas holandeses, a Comissão irá investigar se as regras ISU impedem realmente que os atletas exerçam a sua profissão ao estabelecer obstáculos desproporcionais e injustificados à realização de eventos “concorrenciais”. As normas ISU “ameaçam” os atletas como uma irradiação. Podem estar em causa práticas anti concorrenciais e ainda um abuso de posição dominante por parte da ISU.
5. A crise, contudo, não só não é específica da ISU, pois é possível de ser constatada em outros registos normativos de tantas outras federações desportivas internacionais, como, o que se revela de impacto bem mais significativo, coloca em discussão um dos pilares da organização desportiva internacional: o princípio da unicidade federativa.
6. Ou seja, esta investida do Direito Europeu posiciona, em definitivo, na ordem do dia, a essência da organização desportiva como concebida até aos dias de hoje.
Há, pois, que estar devidamente atento ao desenrolar deste procedimento europeu.