Folio, o festival que teve um sabor brasileiro

A primeira edição do Festival Literário Internacional de Óbidos, apesar de alguns percalços, quadruplicou o que ganham na vila com outros eventos.

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O humorista Ricardo Araújo Pereira dando autógrafos Folio
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A apoteose do Folio aconteceu com 400 pessoas (números da organização) a assistirem à conversa entre Ricardo Araújo Pereira e o escritor brasileiro Luis Fernando Veríssimo Folio
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O escritor José Eduardo Agualusa, curador do Folio Autores, área responsável pelas conversas entre escritores na tenda principal Folio

Tocam os sinos na igreja, cheira a pão quente, acabado de cozer em forno de lenha. A meio da manhã deste domingo já choveu, mas há em Óbidos pessoas em movimento contínuo, a fotografar de telemóvel na mão, pelas ruas estreitas. Há quem beba ginjinha em copos de chocolate e esteja só a descobrir o castelo e quem saiba que está a decorrer a primeira edição do Folio – Festival Literário Internacional de Óbidos, embora a sinalética do festival na vila seja ineficaz.

A Fanfarra dos Bombeiros, indiferente ao repique, percorre as ruas da vila. Na Tenda Editores, o escritor David Machado dá autógrafos e, mais à frente, na Tenda Autores, os portugueses Valério Romão e Bruno Vieira Amaral conversam com o brasileiro João Paulo Cuenca sobre ser-se jovem escritor. A tenda está mais para o vazio, são 11h, na primeira edição do Folio – Festival Literário Internacional de Óbidos, onde se pagam cinco euros para assistir às conversas com escritores e 12 euros para entrar nos concertos ou se compra um passe para todo o festival que começou a 15 de Outubro e termina este domingo.

Paixão por livros

A brasileira Ana Carolina Camargos tem uma paixão por livros. Tinha cinco dias de férias, não queria viajar para um sítio que não conhecia para fazer um turismo tradicional, por isso quando viu numa livraria online portuguesa propaganda ao Folio decidiu: “É lá que quero ir. Óbidos é o lugar certo.” Correu tudo bem. “Foi mais acessível e muito mais fácil fazer as reservas e chegar aqui do que em Paraty”, diz Ana Carolina, 47 anos, natural de Brasília mas a viver na Alemanha ligada à área vinícola.

“Sempre quis ir à FLIP- Festa Literária Internacional de Paraty mas sempre achei dificílimo porque nunca conseguia hotel, não conseguia comprar ingressos…” Já visitou muitos festivais - nomeadamente o Fipside em Inglaterra (festival literário organizado em Inglaterra pela criadora da FLIP, Liz Calder) e vai sempre à Feira do Livro de Frankfurt, cidade onde vive. “Achei o Folio fantástico, principalmente as escolhas dos escritores de uma diversidade enorme. Ao mesmo tempo que você vê uma palestra de um historiador português, daqui a pouco é o Ruy Castro falando.” Gostou muito da sessão de Mia Couto, escritor e biólogo, com o neurocientista Sidarta Ribeiro sobre neurociência e da de Javier Cercas porque já conhecia a obra dele. “Estava pouca gente na sala, o que é uma pena”, disse. Agradou-lhe a ideia de poder comprar na Tenda Editores os livros dos participantes e ficou maravilhada com a livraria na Igreja Santiago.

“Gostei muito da cubana Karla Suarez e o livro dela esgotou mas nas livrarias mandaram vir para mim.” Está pela primeira vez em Óbidos e só lamenta estar quase a ir embora sem ter visto Óbidos direito. “Eu ia de uma palestra para outra…”

Daniel Santana, 74 anos, reformado, vive em Itália desde 1961, onde teve uma empresa de venda de peixe e veio ao Folio porque uma amiga o alertou. Não podia estar em Portugal, de visita, e perder uma conferência com Eduardo Lourenço, “o último dinossauro europeu”, conta. Valeu a pena ter comprado bilhete, deu o dinheiro por bem empregue. Mas se a sessão que juntou o professor com a Prémio Camões, Hélia Correia, correu muito bem em termos de público, e a que se seguiu de Pacheco Pereira e Ferreira Fernandes sobre crónica também, a apoteose do Folio aconteceu com 400 pessoas (números da organização) a assistirem à conversa entre Ricardo Araújo Pereira e o escritor brasileiro Luis Fernando Veríssimo moderados por Nuno Artur Silva, que partilha com Anabela Mota Ribeiro a curadoria da parte do Folio - a Folia - que inclui espectáculos no festival.

Palmas, palmas e de pé

A sessão de “stand up poetry” do humorista brasileiro Gregorio Duvivier foi aplaudida de pé, bem como o concerto do Mário Laginha Trio com Cristina Branco a cantar Chico Buarque num palco com o castelo de Óbidos por trás. Outro momento mágico foi o do concerto de Moreno Veloso acompanhado pelos músicos Doménico Lancelloti, Pedro Sá e Tomás Cunha Ferreira. Ao som de uma bossa meio triste, Moreno emocionado disse que se estava a sentir ali, no palco do Folio, tal como se sentia na sua infância, no quintal da sua avó – Dona Canô, mãe de Caetano Veloso e Maria Bethânia. Aplausos de pé, palmas e mais palmas.

Mas se estes músicos levam para o outro lado do Atlântico, uma memória de uma noite mágica do Folio, o escritor brasileiro Sérgio Rodrigues, autor do romance O Drible, vencedor do último Grande Prémio Portugal Telecom de Literatura, não sentirá o mesmo. Com uma sessão marcada para as 11h da manhã dessa sexta-feira, na Tenda Autores, viu-se a falar sobre “Literatura e Futebol”, ao lado de Francisco José Viegas, para uma dezena de pessoas (incluindo as da editora, da organização e jornalistas convidados).

À mesma hora, um pouco mais abaixo, decorria no Museu Municipal, gratuita, uma aula sobre o escritor clássico brasileiro Machado de Assis, dada pelo professor universitário Abel Barros Baptista. Embora o espaço fosse mais pequeno do que o da Tenda Autores estava cheio. “Competir às 11h da manhã com Machado de Assis e ainda por cima grátis, é difícil!”, lamentava o brasileiro. O que o escritor ainda não sabia, é que a sessão de lançamento do seu livro, à hora do jantar, iria ser cancelada por falta de público. Dias antes também o brasileiro Francisco Bosco vira ser cancelado, pela mesma razão, o lançamento do seu livro. Houve vários casos que revelaram algum amadorismo e megalomania em termos de programa.

Arte de organizar festivais

O escritor José Eduardo Agualusa, curador do Folio Autores, área responsável pelas conversas entre escritores na tenda principal, tem ido a festivais em todo o mundo nos últimos 15 anos e é peremptório: “Nunca estive numa primeira edição de um festival que corresse tão bem quanto este. As primeiras edições em que estive, o que as caracteriza é que normalmente têm pouco público. As segundas edições tem mais público mas ele não está bem preparado. Só a partir da terceira edição é que há público e público que realmente lê”, defende.

“O que aconteceu neste festival é que conseguimos ter público relativamente sofisticado para muitos eventos, alguns deles acontecendo ao mesmo tempo”. Faz o contraponto com o Flipside, que vai na terceira edição e onde participou como convidado. “A minha mesa com o Cristóvão Tezza e Juan Pablo Villalobos tinha 13 pessoas a assistir. A sessão com a Fernanda Torres tinha três. O público ou a falta dele não tem a ver com a entrada ser paga ou não ser paga. O que conta é a visibilidade das pessoas”, afirma. “A grande arte de organizar festivais é juntar uma pessoa muito conhecida, que traz público, com alguém desconhecido e muito interessante. Tal como aconteceu na mesa em que vieram ver o Mia Couto e saíram encantados com Sidarta Ribeiro. Nem sempre é possível fazê-lo, mas isto é o ideal em termos de projecto”.

Também um dos outros organizadores do festival, José Pinho, curador do “Folio Paralelo” - programação relacionada  com autores, editores e livreiros -, “manteria tudo igual neste festival”, que foi apoiado em 500 mil euros pelo Turismo do Centro e pela Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Centro. “Mudaria só as mesas de autores marcadas para a parte da manhã e as actividades que tivemos de marcar para a hora do jantar que não resultaram”, diz.

O administrador da Ler Devagar e impulsionador de Óbidos como vila literária com várias livrarias acrescentaria ainda mais actividades embora as organizasse de outra maneira. “Conseguimos quadruplicar as vendas, se compararmos com o valor obtido neste festival com o obtido quando há outro festival que não literário como o do chocolate, a vila natal ou mercado medieval”, afirma José Pinho, que defende um projecto de 11 livrarias e de cinco festivais literários para que Óbidos seja uma cidade do livro e o projecto tenha sentido.

Durante a semana e contando com o primeiro o fim-de-semana do Folio, José Pinho vendeu nas suas livrarias em Óbidos o suficiente para sobreviver até ao Natal. “Este festival não pode demorar um dia, tem de estar integrado na sustentabilidade financeira das livrarias. Senão será parecido com o festival de Paraty para pior porque nunca terá a dimensão da FLIP”, defende. As pessoas têm de ter apetência para vir a Óbidos e permanecer, não ficarem as duas horas da praxe a tirar fotografias e partir.

No entanto o Folio irá mudar de datas pois este ano coincidiu com a Feira do Livro de Frankfurt, o festival Escritaria, em Penafiel, a Amadora BD e o DocLisboa.

O PÚBLICO está em Óbidos a convite do Folio

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