Cavaco nunca mais!

O discurso que Cavaco proferiu ao dar posse a Pedro Passos Coelho como primeiro-ministro de Portugal, com o apoio de uma coligação minoritária na Assembleia da República, foi o contrário de institucional: foi parcial, raivoso e radical

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Daniel Rocha

Cavaco Silva está a despedir-se das suas funções presidenciais da pior maneira possível. Tanto tempo calado e imóvel para, agora, pôr as garras de fora, mostrando-se o que sempre foi: autoritário, despótico e com total desrespeito por aqueles que pensam diferente de si.

Os seus consecutivos apelos aos consensos e à unanimidade sempre foram, aliás, uma forma encapotada, um eufemismo, da sua vontade de aniquilar (tornar irrelevante) os que pensam de forma diferente da sua, a forma de pensar que nunca se engana e raramente tem dúvidas…

Na verdade, a sua passividade presidencial sempre foi uma complacência com um Governo com o qual concordava, disfarçada de uma atitude institucionalista.

E o discurso (não a indigitação propriamente dita) que Cavaco proferiu ao dar posse a Pedro Passos Coelho como primeiro-ministro de Portugal, com o apoio de uma coligação minoritária na Assembleia da República, foi o contrário de institucional: foi parcial, raivoso e radical (querer eliminar de uma solução governativa mais de 1 milhão de portugueses é obsceno e ditatorial).

Mas Cavaco é consistente: quando findou o seu mandato enquanto primeiro-ministro fê-lo sob a égide do autoritarismo e da repressão (buzinão e carga policial na Ponte 25 de Abril, lembram-se?).

Enfim, Cavaco não muda, mas Portugal sim!

Essa é, aliás, a boa notícia dos resultados eleitorais e das negociações inéditas entre os partidos da esquerda: Portugal está a mudar, está a tornar-se menos conservador, mais democrático e mais culto. É um processo lento, de mudança geracional, mas que está a acontecer.

Os novos empresários, os novos professores, os novos estudantes, os novos políticos, enfim, os novos cidadãos portugueses estão a mudar. Portugal está cada vez mais urbano, mais formado e informado, mais mundividente, cosmopolita e plural. Está a morrer o Portugal tacanho, rural, conservador, inculto e ultrarreligioso germinado em mais de 40 anos de ditadura.

Foi nesse Portugal que Cavaco se formou. Foi nesse Portugal que muitos dos eleitores que tantas vezes elegeram Cavaco se formaram. Felizmente, esse Portugal começa a desaparecer.

Pode Cavaco (e a direita) espumar que o que se está a passar não é conjuntural mas estrutural. Portugal está mais moderno e o mundo está mais radical (porque dominado pelas forças ultraliberais).

Perante isto, nada espanta que seja cada vez mais provável (em Portugal e nos outros países desenvolvidos) um retorno à verdadeira social-democracia, ora nos partidos socialistas, ora em partidos antes de extrema-esquerda.

Uma coisa é certa: daqui três meses poderemos dizer com alegria “Cavaco nunca mais!”. Mas, já hoje, e muito mais importante do que isso, podemos afirmar que os “Cavacos” em Portugal são uma espécie em vias de extinção.

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