AdC recebeu em dois anos dez pedidos de clemência de participantes em cartéis

Os pedidos de 2014 e 2015 superam os oito registados desde 2006, quando o regime de clemência entrou em vigor.

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A contratação pública é uma das áreas debaixo do foco da Autoridade da Concorrência Enric Vives-Rubio

O regime de clemência, que consiste na garantia de dispensa ou redução de coima para as empresas que denunciem os cartéis em que se envolveram não é a única forma de combate a estes acordos ilegais, mas é uma das que “tem vindo a ganhar expressão na jurisdição portuguesa”.

Quer a reformulação do programa, em 2012, quer “uma actuação mais vigorosa da Autoridade da Concorrência”, têm levado as empresas a “colaborarem cada vez mais e a apresentarem esses pedidos”, disse ao PÚBLICO o presidente da entidade reguladora. António Ferreira Gomes, que falava à margem da conferência anual da AdC, referiu-se mesmo a um “número recorde do número de pedidos”. Isto porque, nos últimos dois anos, houve dez pedidos de clemência, mais que os oito registados desde que o programa foi criado, em 2006.

A AdC não vai descurar o programa de clemência, mas está a “tentar desenvolver uma série de métodos proactivos na detecção de infracções”, que não se limitem a esperar por denúncias, assegurou o presidente da AdC.

Autoridades como a Comissão Europeia ou o Departamento de Justiça dos Estados Unidos há muito tempo que usam os programas de clemência para “obter informação valiosa para poderem depois investigar um cartel e punir esse tipo de infracções”, que podem passar pela repartição geográfica de mercados ou fixação de preços, por exemplo.

Porém, neste esforço “têm descurado outro tipo de métodos proactivos, nomeadamente os screens que podem ajudar também a encontrar este tipo de práticas”, exemplificou Ferreira Gomes. Os screens são métodos de análise estatística de informações de um dado mercado como preços, margens, volumes ou spreads, que permitem detectar padrões anormais.

A AdC “entende que deve haver uma abordagem holística à lei da concorrência”, o que passa não só por usar “outras ferramentas” além da clemência, mas também por promover “um diálogo franco e aberto com as entidades adjudicantes na contratação pública”, disse ainda Ferreira Gomes.

É precisamente a contratação pública um dos sectores com condições mais férteis para que surjam os cartéis, disse ao PÚBLICO a directora do departamento de regulação financeira e antitrust do Global Economics Group, Rosa M. Abrantes-Metz. Os sectores financeiro, automóvel e da aviação e a construção são particularmente vulneráveis. “De uma forma geral, tudo o que envolva contratação pública”, porque são procedimentos muitas vezes opacos, disse ainda, destacando o exemplo da venda de refeições a cantinas escolares.

A economista, que foi uma das responsáveis pelas investigações que permitiram sinalizar as irregularidades dos operadores de mercado na fixação da Libor, mostrou-se particularmente crítica em relação a uma política antitrust baseada no regime de clemência.

“Em que outras áreas ficamos à espera que os criminosos se cheguem à frente e confessem?”. Por esta altura, o papel dos screens (que foram usadas para detectar situações como a LIBOR, mas também da manipulação de preços do ouro e da prata) já devia “ser inquestionável”, defendeu a economista.

É que apesar de serem questionados, por se considerarem instrumentos demasiado caros ou que exigem muitos recursos humanos, foram os alertas que permitiram, até à data, identificar alguns dos carteis com “efeitos mais significativos no mercado” e gerar acordos de clemência que totalizaram  mais de dez mil milhões de dólares em todo o mundo.

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