Uma violação que a conduziu ao "coração da escuridão"

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Na madrugada do dia 4 de Setembro de 2015, o fotógrafo neo-zelandês Jonathan Van Smit vagueava pelas ruas estreitas e pouco iluminadas do "red light ditrict" de Phnom Penh, no Cambodja, zona frequentada sobretudo por "toxicodependentes, 'dealers', prostitutas e mães solteiras", contou ao P3 em entrevista. Foi através de outas pessoas que chegou ao contacto com Srey Mom, trabalhadora do sexo que retratou "num pequeno quarto que aluga numa barraca de madeira na rua 51, por trás do clube nocturno Heart of Darkness". "Sem casa de banho, janelas ou água corrente. Apenas uma lâmpada despida e umas quantas memórias penduradas na parede", descreve. No diário do projecto que partilhou com o P3, Smit explica que o nome Srey Mom significa 'menina amada' em Khmer (língua oficial do Cambodja) e narra a sua história: "à semelhança de muitas raparigas, ela tinha sonhos e eles até começaram a tornar-se realidade". "Casou e estava grávida do primeiro filho. Foi então que o pesadelo começou. Foi violada tão violentamente que perdeu o bebé." O trauma, relata, levou-a ao isolamento e, à posteriori, ao trabalho como prostituta nas ruas em redor da zona comercial de Sorya. Actualmente, "fuma metanfetaminas para adormecer a dor e a vergonha de ser usada e abusada por estrangeiros embriagados", descreve Smit. A melhor amiga da 'menina amada' diz que ela tem agido de forma estranha e teme que não resista muito tempo ao abuso de droga e auto-flagelação. "Ser bonita pode ser uma maldição", diz Smit. "Principalmente se vieres de uma família pobre, se fores mãe e tiveres sido abandonada pelo marido, o que acontece com muita frequência. São os próprios pais das mulheres que lhes ordenam que trabalhem nos bares." O uso de drogas surge então associado à prostituição. "Fumas metanfetaminas para lidar com a vergonha, os teus dentes começam a apodrecer, a tua beleza desaparece e assim que dás conta estás a prostituir-te na rua e não num bar, à mercê de uma linha interminável de idiotas", descreve o fotógrafo que se diz muitas vezes enfurecido com as situações que observa nas ruas de Phnom Penh. A rua 51 é onde tradicionalmente trabalham e onde "as mulheres são mais vulneráveis", sobretudo aos estrangeiros que se embriagam na zona de bares que fica na proximidade. "A incidência de HIV está a aumentar", acrescenta. Nem todas as fotografias desta série referem à história de Srey Mom, mas esta foi a última entrada no seu diário. O neo-zelandês não compreende inteiramente o motivo que o leva a fotografar incessantemente, sabe apenas que aprecia a "companhia de pessoas que vivem uma vida à margem". O fotógrafo reside em Hong Kong desde 2008, onde trabalha como consultor financeiro. As imagens do projecto "Heart of Darkness" resultam de 12 viagens ao Cambodja, mas o projecto mantém-se em aberto. Jonathan Van Smit nunca ganhou qualquer prémio na área da fotografia, diz não se interessar "por esse tipo de coisas". O seu trabalho, no entanto, já conheceu publicação na revista "Invisible Photographer" e no blogue da Leica. Ana Marques Maia