O crepúsculo dos lobos

Uma fábula ecológica razoavelmente convencional mas na qual se consegue tocar um mundo à beira de desaparecer.

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A Hora do Lobo tem o fôlego visual de uma aventura à moda antiga, mas é uma narrativa académica e simplista

Há que se tirar o chapéu ao francês Jean-Jacques Annaud, que insiste contra ventos e marés na ideia de um “cinema do meio” dirigido ao grande público anónimo que não se revê nos blockbusters hollywoodianos de efeitos visuais nem no cinema de autor puro e duro. Mas há também que reconhecer que essa ambição quase inglória parece ter ficado prisioneira de um passado ilusoriamente dourado: A Hora do Lobo é um regresso assumido a um tipo de filme de grande espectáculo como era pensado nos anos 1960 e 1970, onde a nobreza dos sentimentos e o exotismo das paisagens se cruzavam com uma ideia de aventura humana contra os elementos. Combinação de fábula ecológica e defesa da diversidade cultural, conta a história (verídica, mas ficcionalizada) de um estudante de Pequim enviado para a Mongólia pelo Partido Comunista para alfabetizar doutrinariamente uma pequena aldeia, e que dá por si testemunha da destruição gradual mas implacável do seu modo de vida milenar em nome do progresso técnico, simbolizado pela eliminação dos lobos como pragas, sem levar em conta a sua importância para o ecossistema.

Rodado na própria estepe mongol e maximizando o potencial espectacular das paisagens (que saudades do velho 70mm do Monumental, que lhe fariam grande justiça...), A Hora do Lobo tem o fôlego visual de uma aventura à moda antiga, mas atola-se numa narrativa por demais académica e algo simplista, onde os “temas” tomam precedência sobre as “personagens”. Ainda assim, pelo meio do previsível convencionalismo dramático, Annaud consegue fazer passar a ideia de estarmos a assistir ao fim de um mundo, ao crepúsculo de toda uma cultura que já não cabe no “plano quinquenal” - e é a pungência desse longo adeus (manifestado na dignidade silenciosa do ancião da aldeia que é sistematicamente ultrapassado pelos tempos) que dá ao filme a força que ainda consegue ter.

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