Pela ciência, urge mudar a cultura das instituições

É a nível institucional que urge ser competitivo. Um(a) investigador(a) sozinho pode fazer muito, mas para um desafio desta dimensão, não chega.

Ainda que partindo de realidades diferentes, universidades e centros de investigação um pouco por todo o continente europeu estão a fazer um esforço de organização para se posicionarem de forma mais competitiva no mundo da investigação. Em particular, estas instituições têm vindo a demonstrar uma preocupação crescente com a ligação da investigação à sociedade, que se reflete na criação de estruturas que facilitam a própria investigação e a projeção dos resultados científicos para o exterior do mundo académico. Esta aposta acontece sobretudo nas áreas do financiamento e da comunicação de ciência, a fim de fazer face à alta competitividade dos financiamentos europeus e políticas de envolvimento público na investigação. Acontece ainda na área da transferência de tecnologia com o intuito de conseguir que a investigação gere tecnologias, processos, serviços e produtos comercializáveis.

Não é de admirar. As crescentes pressões a que investigadores e instituições científicas estão sujeitos não permitem mais fazer investigação alheada das pessoas, quer sejam contribuintes quer sejam cidadãos que de alguma forma usufruirão dos resultados da investigação: doentes, famílias, empresários, trabalhadores, consumidores, ecologistas, ativistas, políticos. Isto exige à comunidade científica a capacidade de prestação de contas à sociedade implicando mesmo, em muitos casos, a capacidade de envolver os interessados no próprio processo da investigação, desde a conceção do problema à produção dos resultados.

De igual forma, não é possível fazer ciência alheado do próprio sistema científico. Ignorar, por exemplo, o programa europeu de financiamento Horizonte 2020 e toda a sua complexidade, ou ainda as estratégias de especialização inteligente do país ou região, pode significar verdadeiramente “a morte do artista”, ou seja, a impossibilidade de fazer investigação em certas áreas por falta de rede, reconhecimento ou fundos.

O problema está em que, tal como defendem os mais puristas, estas atividades de facilitação da investigação são “extras” à atividade científica. Contudo, estes “extras” requerem conhecimento específico e capacidade técnica não negligenciáveis, o que coloca as instituições de investigação na berlinda, pois é a nível institucional que urge ser competitivo. Um(a) investigador(a) sozinho pode fazer muito, mas para um desafio desta dimensão, não chega. 

Como mostra um estudo recente sobre a comunicação das instituições de Investigação e Desenvolvimento (I&D) em Portugal (Entradas, 2015), há uma incongruência entre esta necessidade (e vontade) de as instituições se tornarem competitivas e os recursos (humanos, estratégicos, capacidade intrínseca) de que dispõem ou planeiam vir a dispor num futuro próximo para facilitar a ligação da investigação à sociedade.

Com efeito, analisando as estruturas de comunicação científica existentes nas unidades de I&D portuguesas, e partindo da perceção das próprias instituições analisadas, o estudo revela aspetos interessantes sobre a forma como as instituições em Portugual estão a lidar com o desafio que têm pela frente.

Focando-se exclusivamente nas atividades de comunicação de ciência, o estudo aponta fortemente para a falta de recursos humanos e pessoal profissionalizado na área de comunicação de ciência nessas mesmas unidades I&D. Por exemplo, a maioria das unidades (52%) não possui pessoal dedicado a tarefas de comunicação, embora refiram levar a cabo este tipo de atividades. Por seu lado, nas unidades que referem possuir pessoal dedicado a tarefas de comunicação de ciência (48%), a maioria deste pessoal encontra-se em regime de tempo parcial, sendo essas mesmas tarefas acumuladas com outras funções nas unidades (nomeadamente investigação). Além do mais, o vínculo laboral é, na esmagadora maioria dos casos, ténue, com as instituições a recorrerem a financiamento através de bolsas para suprir necessidades regulares de comunicação de ciência com a sociedade. No entanto, este mesmo estudo revela uma intenção institucional expressa de fazer mais e melhor na comunicação de ciência no futuro (cerca de 70% dizem querer aumentar o número de eventos realizados e canais de comunicação usados), intenções que poderão ou não resultar de pressões da política científica nacional e internacional.

A incongruência é evidente: como conseguirão as unidades de I&D comunicar mais e melhor no futuro com os níveis atuais de não profissionalização das suas estruturas de facilitação de investigação?

Na verdade, quem conhece a realidade das instituições científicas portuguesas não ficará espantado com estes resultados. Há indícios de que, de um modo geral, a facilitação da investigação e a comunicação com audiências não académicas são reconhecidas como atividades importantes, não parecendo ser contudo encaradas como fulcrais para as universidade ou centros de investigação. Por exemplo apesar de cerca de 67% das instituições de investigação dizerem ter planos de comunicação,  menos de 50% comunicam frequentemente com o público (47%). Além do mais, quantas destas unidades executarão esses planos e os avaliarão? E de que forma estarão esses planos alinhados com a estratégia científica da instituição? Ou ainda, quantas estruturas de facilitação serão avaliadas periodicamente de acordo com objetivos preestabelecidos? Seria interessante – e benéfico para o sistema científico português – que estas e outras questões começassem a constar na agenda das instituições e dos decisores políticos.

O que pode até estar já a acontecer. Com efeito, o panorama científico português pode em breve vir a trazer surpresas positivas no campo da ligação da ciência à sociedade. Com muitas unidades I&D a encetarem financiamentos estratégicos no âmbito da avaliação recente pela FCT, de acordo com planos preestabelecidos a cinco anos, é expectável surgirem instituições implementando planos robustos para as áreas da gestão, comunicação e transferência de tecnologia, com novas contratações de pessoal para a facilitação de ciência. A própria Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT), agência nacional financiadora de ciência, deu um sinal de atenção a estas áreas ao anunciar em 2015 um concurso destinado a integrar pessoal nas áreas de comunicação e gestão de ciência nas unidades de I&D financiadas pela FCT.

No entanto, importa realçar que estes sinais não são suficientes. O desenvolvimento das vertentes de facilitação e comunicação só poderá acontecer na medida das necessidades das próprias instituições, e a par com o desenvolvimento das suas atividades de investigação. Mais determinante ainda, este desenvolvimento só acontecerá efetivamente se as unidades de investigação tiverem a visão necessária para criar estruturas de facilitação e comunicação eficientes, sustentáveis e capazes de criar valor para dentro e para fora dos muros das instituições. Isto implicará uma mudança na cultura institucional das universidades e centros de investigação, fazendo-as olhar para estas áreas como estratégicas e não apenas reagindo circunstancialmente, por exemplo, pelo surgimento de uma oportunidade temporária de financiamento destas estruturas.

Com o cenário de crise atual, é natural que se considere este desafio ainda mais difícil de ultrapassar. Mas esta mudança é necessária e são ainda demasiado ténues os indícios de que esteja já a acontecer. Por isso urge perguntar: como irão as instituições científicas ultrapassar os enormes desafios que enfrentam, e que mecanismos necessitam desde já ser acionados para facilitar esta mudança?

Gestora de ciência na Business Research Unit, ISCTE-IUL

Gestora de uma aliança internacional de institutos de investigação, EU-LIFE

Investigadora em comunicação de ciência no DINAMIA’CET, ISCTE-IUL, atualmente Fulbright Visiting Scolar na Cornell University, Nova Iorque

 

(*) Entradas, M. (2015). "Envolvimento Societal pelos Centros de Investigação em Portugal". In: 40 Anos de Politicas de Ciência e Ensino Superior, Editado por Maria de Lurdes Rodrigues e Manuel Heitor, 503-516; Almedina.

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