Museu do Homem em Paris reabre totalmente renovado

Numa das alas curvas do Palácio de Chaillot, mesmo junto ao Sena e com vista directa, do outro lado do rio, para a Torre Eiffel, há a partir de sábado em Paris um novo museu da espécie humana.

Fotogaleria
A "escala dos bustos" da nova exposição permanente do museu Cortesia do Museu do Homem
Fotogaleria
O crânio do filósofo René Descartes J.C. Domenech/MNHN
Fotogaleria
Busto em gesso colorido de mulher inuit, século XIX J.C. Domenech/MNHN
Fotogaleria
Busto de frenologia, século XIX J.C. Domenech/MNHN
Fotogaleria
A Mulher com uma Lágrima, busto anatómico de cera, século XVIII Bernard Faye/MNHN
Fotogaleria
Figura de "esfolado" em papier-mâché, século XIX J.C. Domenech/MNHN

Após seis anos de encerramento para obras, o quase octogenário Museu do Homem, em Paris, abre este sábado as suas portas ao público numa versão assumidamente virada para o século XXI, renascendo das suas próprias cinzas (ou melhor, das suas poeiras).

O Museu do Homem foi fundado em 1937, quando as colecções etnográficas do seu precursor (o Museu de Etnografia do Trocadéro, em funções desde 1882) foram reunidas num mesmo espaço com as colecções de antropologia e de pré-história humana vindas do Museu Nacional de História Natural (MNHN) francês, do qual o Museu do Homem depende desde o início.

Foto
O Palácio Chaillot alberga o museu Patirck Kovarik/AFP

De facto, surgia assim algo de muito original para a época: um museu da espécie humana. Instalado no Palácio de Chaillot, ao pé do rio Sena, mesmo em frente à Torre Eiffel, albergava debaixo do mesmo tecto todas as colecções do Estado francês que diziam respeito à humanidade, à sua evolução, às suas civilizações e culturas.

Foto
Escultura anatómica de cera, século XVIII Patrick Lafaite/MNHN

Porém, o projecto foi perdendo fôlego ao longo das décadas que se seguiram e, já em finais dos anos 1990, as suas salas e corredores, mal iluminados e com o seu velho chão em soalho, tinham-se tornado vestustas e poeirentas. Lentamente, as peças expostas nas vitrinas foram sendo esquecidas pelas pessoas. Em 2009, quando encerrou para obras, o Museu do Homem já só recebia 150.000 visitantes por ano – o que é muito pouco pela bitola dos museus parisienses.

Foto
Crânio do Homem de Cro-Magnon J.C. Domenech/MNHN

O golpe potencialmente mortal veio em 2003, com a transferência de 300.000 peças da colecção de etnologia não europeia do Museu do Homem para o então recém-inaugurado Museu do Quai Branly, sucessor do extinto Museu das Artes Africanas e Oceânicas, instalado num espectacular e moderno edifício mesmo ali perto, do outro lado do Sena. E como se isso não bastasse, em 2005 foi a vez de as colecções de etnologia europeia saírem porta fora, com destino ao futuro Museu das Civilizações da Europa e do Mediterrâneo (MuCEM), inaugurado em 2013 em Marselha.

Foto
Crânio de neandertal J.C. Domenech/MNHN

Apesar de o Museu do Homem possuir ainda valiosas e extensas colecções – incluindo uma série de tesouros como o crânio do filósofo francês René Descartes ou o do célebre Homem de Cro-Magnon –, seguiu-se então um período de indefinição e de incerteza.

Foto
Escultura de um elefante morto Patrick Kovarik/AFP

“O museu não tinha apanhado o comboio da renovação dos anos 1980 e 1990”, diz Cécile Faure, directora do projecto de renovação do museu desde 2012, citada pela agência AFP. “E, no início dos anos 2000, o seu futuro foi posto em causa. Mas rapidamente, graças à mobilização dos cientistas, chegou-se a um consenso.” O museu não podia morrer, mas precisava de repensar o seu projecto, salienta esta responsável.

Foto
Crânio do filósofo René Descartes Patrick Kovarik/AFP

Projecto científico

E agora, o Museu do Homem reabre de facto com um projecto novo e radicalmente diferente – “não puramente artístico, mas científico”, como disse a antropóloga genética Evelyne Heyer, do comité científico do museu ao diário britânico The Guardian. Um projecto dedicado à evolução da espécie humana sob todas as suas facetas que, segundo a AFP, faz do novo museu algo de único na Europa – e que o Guardian considera “um dos maiores museus mundiais da pré-história”. O seu custo total rondou os 93 milhões de euros – e os responsáveis pela renovação esperam receber 400.000 visitantes já no primeiro ano.

A nova organização do Museu do Homem parte de três perguntas científicas fundamentais: “Quem somos?; de onde viemos?; onde vamos?” Para responder a cada uma delas, o museu dispõe de 700.000 objectos pré-históricos, 30.000 “conjuntos de antropologia” e 6000 objectos “que ilustram a apropriação da natureza pelas sociedades humanas”, pode ler-se na apresentação do projecto no site do museu (em museedelhomme.fr).

O “percurso” (a exposição) permanente desenvolve-se numa Galeria do Homem, uma área de 2500 metros quadrados onde paredes, chão e tectos são brancos e onde o vidro se mistura com estruturas de aço para compor um décor minimalista.

Num dos espaços, baptizado Refúgio dos Antepassados e mergulhado na escuridão, “o visitante é confrontado com as suas origens”, descreve a AFP, que visitou o local nestes últimos dias. É aí que está exposto o crânio de Cro-Magnon (e não é uma réplica, é mesmo o original). Conhecido como “o velho”, este Homo sapiens viveu há uns 28.000 anos e foi descoberto em 1868 na região de Dordogne, no Sudoeste da França.

Ao seu lado, o crânio da Dama de Cavillon, tingido de ocre vermelho e coberto de conchinhas. E ainda os nossos primos neandertais, representados em particular pelo Homem de la Ferrassie, um outro fóssil descoberto em Dordogne. As ferramentas utilizadas pelos nossos antepassados perfazem esta mostra.

Já a Sala dos Tesouros alberga uma das jóias da coroa do Museu do Homem: a Vénus de Lespugue (do nome de outra localidade do Sudoeste francês), uma pequena estatueta de formas voluptuosas esculpida em marfim de mamute há cerca de 23.000 anos e descoberta em 1922. E ainda uma outra vénus, esta qualificada de “impúdica” porque o seu autor representou o sexo feminino com um risco na junção das pernas.        

Uma novidade é a chamada Varanda das Ciências, instalada no átrio do museu e onde os cientistas da instituição vão mostrar ao público as suas pesquisas. Isto porque de facto – e tal como vem sendo a sua vocação há quase 80 anos –, o museu inclui um laboratório, agora equipado com as mais modernas tecnologias de análise genética e outras, onde trabalham 150 investigadores.

Escala dos bustos

Uma das mais espectaculares instalações da exposição permanente é uma estrutura “em forma de pauta musical”, explica ainda o museu no seu site, com 11 metros de altura e 19 metros de comprimentos, onde estão pousados 79 bustos em gesso pintado e 12 bustos de bronze. Os bustos em gesso, que “ilustram a diversidade humana”, foram realizados no século XIX com base em moldes das caras de pessoas vivas, obtidos junto de populações autóctones aquando de expedições científicas às Américas, África e Ásia.

A exposição permanente também aborda a evolução do estudo da anatomia humana, com bustos do século XIX que representam as zonas frenológicas do cérebro e belíssimas esculturas anatómicas de cera, executadas em finais do século XVIII pelo artista e anatomista francês André-Pierre Pinson. Uma destas é a chamada “Mulher com uma Lágrima”, uma cabeça “aberta” verticalmente que revela a anatomia interna da face e o do pescoço. O museu exibe ainda figuras de “esfolados” em papier-mâché do médico francês Louis Auzoux (1797-1880), mundialmente conhecidas.

“O Museu do Homem convoca todas as disciplinas científicas para lançar um olhar rico e benevolente sobre a nossa humanidade em toda a sua diversidade e abrir caminhos para o futuro que estamos a construir para nós próprios”, escreve Bruno David, presidente do MNHM. “A sua herança e missão únicas colocam-no no centro das questões naturalistas, que ao mesmo tempo não poderiam ser abordadas sem o contributo maciço das ciências humanas.”

Sugerir correcção
Comentar