“Hijab” no Irão: pacífico ou repressão?

As 1001 regras da intocável religião no Irão divergem de outros países muçulmanos, mas, em comum, castram a individualidade, o direito à diferença

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Kitato/Instagram

Dá um pequeno e estridente guincho que acompanha com o sublime gesto de decapitação. Rosto de preocupação — a roçar o pânico — que tenta aligeirar de forma tão atabalhoada que me provoca uma gargalhada. Basicamente, reprova a minha arejada indumentária. Eu situo-vos: estou no Irão, está um calor tremendo e estou decidido a usar calções. A cobrir os joelhos.

Ainda estou no hotel e quero tirar a prova dos nove. Pergunto à recepcionista o que acha. "Sem problema algum. Está bem assim", sossega-me em tom quase maternalista. Na verdade, já tinha a decisão tomada (pisar o risco no Irão, desafiando algumas das múltiplas normas) pelo que ignoro a posterior acalorada troca de argumentos entre ambas.

Na rua sou olhado de soslaio, mas ninguém me interpela. Ao contrário das minhas acompanhantes no projecto Born Freee. Estão a sentir na epiderme o que sofrem as mulheres iranianas. Proibidas de prescindir do véu ("hijab"). Nao importa o calor ou circunstâncias públicas (em privado, a história conta-se de forma diferente...).

A certa altura, amigo passeia com "instagrammer" iraniana. Tudo sereno, até que chega a uma avenida principal. "Não posso prosseguir por aí. Não estou adequada no traje e posso ser multada", lamenta. Aos nossos olhos, veste mais do que a preceito. Só rosto e mãos por tapar. O crime? "Estou de calças de ganga e tenho cor a mais na roupa". Na verdade, sobra-lhe sobriedade.

Quanto às portuguesas, o adereço cai. Uma e outra vez. E é difícil mantê-lo direito na cabeça. O "hijab" faz sobressair o rosto. E aqui entra outra pressão nas mulheres iranianas, cada vez mais divididas entre o eterno tradicional e um "look" mais ocidental.

O caminho da moda faz-se com operações ao nariz, que na Pérsia costumam ser proeminentes. Mulheres — e homens também — em número bem visível passeiam com o mesmo orgulhoso curativo. Donzela que não tenha sobrancelhas desenhadas com rigor extremo parece (ao nosso olhar) arredada da sua feminilidade. Cada vez mais populares os lábios enriquecidos e o botox que manda as rugas para um outro planeta.

É neste mundo que a diferença se esculpe. As 1001 regras da intocável religião no Irão divergem de outros países muçulmanos, mas, em comum, castram a individualidade, o direito à diferença. Que a rebeldia de umas quantas procura atenuar, com o simples gesto de mostrar mais... cabelo. O resto do corpinho, bem tapadinho. E formas atenuadas, mais do que discretas. E já não estou a falar das mais ortodoxas... Estas cobrem-se a um ponto difícil de entender em espírito livre.

"Claro que as mulheres não gostam de usar lenço na cabeça, mas dão o seu melhor para serem belas, bonitas, tentando ultrapassar as regras religiosas. Acho que o seu esforço merece ser mostrado", refere Ali Reza, comentando foto no Instagram de @kitato.

Os comentários na sua foto mostram o quão distantes estão os nossos mundos. Mais preocupante, a ausência de capacidade ou falta de vontade para os aproximar.

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