ANAC só volta a pronunciar-se sobre o consórcio da TAP já depois da venda
Parecer do regulador da aviação é “preventivo”. Agora, Pedrosa e Neeleman têm de se entender e o Estado tem de conseguir chegar a acordo com os credores da TAP.
O regulador da aviação passou a bola para o lado da Atlantic Gateway. A Autoridade Nacional da Aviação Civil (ANAC) indicou na terça-feira ao consórcio formado por Humberto Pedrosa e David Neeleman para comprar a TAP o caminho a seguir para que a empresa mantenha a sua licença de transporte aéreo. Depois deste parecer prévio, que fontes próximas do processo descreveram ao PÚBLICO como "preventivo", o regulador só se voltará a pronunciar já depois dos 61% do capital da TAP passarem para as mãos de Neeleman e Pedrosa.
Até lá espera-se que os dois empresários tenham revisto os termos do seu acordo para demonstrar “inequivocamente que a gestão corrente [da TAP] é efectivamente controlada pela HPGB”, a holding de Pedrosa, “através de administradores detentores de experiência profissional relevante”. Só assim se considerará cumprida a legislação europeia que obriga a que o controlo efectivo das transportadoras esteja nas mãos de um cidadão europeu.
A questão é saber se David Neeleman está em condições de entregar ao empresário português o comando operacional da TAP, mesmo sabendo-se que este terá de realizar apenas 5% (12 milhões de euros) do investimento previsto e que ao empresário com dupla nacionalidade norte-americana e brasileira cabe um cheque de 212 milhões (95% do total de prestações acessórias previstas). O PÚBLICO questionou o consórcio mas não conseguiu obter um comentário.
Em Julho, numa passagem pela comissão parlamentar de Economia e Obras Públicas, o ministro da Economia garantiu que os dois accionistas da Gateway mostraram disponibilidade por escrito para ajustarem a estrutura do negócio e mesmo os estatutos e o modelo de governação do consórcio a quaisquer imposições das instituições europeias. Como cabe à ANAC garantir que os requisitos de propriedade e controlo efectivo da TAP estarão nas mãos de um cidadão europeu, essa disponibilidade de Neeleman e Pedrosa (que só se conheceram em Abril, depois de uma primeira aproximação do português a Miguel Pais do Amaral) terá agora que manifestar-se, caso contrário, o regulador da aviação civil será forçado a retirar à licença à TAP.
"Não é verdade que o consórcio vencedor não seja liderado por um empresário português", declarou nessa altura Pires de Lima aos deputados, criticando então quem desvalorizava a posição do dono da Barraqueiro no consórcio. Semanas mais tarde, a Autoridade da Concorrência viria a aprovar o negócio, considerando que os accionistas da Gateway estavam comprar “o controlo conjunto da TAP”. E agora também a ANAC vem dizer que há que corrigir a questão do controlo da Atlantic Gateway, alterando estatutos para que os membros dos órgãos sociais possam ser nomeados por maioria simples e para que no modelo de governo da TAP o funcionamento e organização dos seus órgãos executivos não deixe dúvidas de quem manda na empresa.
Negociação com a banca arrasta-se
Não é só do entendimento entre os dois sócios que depende o rumo da privatização. No meio de um quadro de indefinição política, mantém-se a renegociação da dívida da TAP com os bancos. O tema arrasta-se há semanas (numa empresa que vive permanentemente confrontada com dificuldades de tesouraria) e, apesar da pressão política que fontes contactadas pelo PÚBLICO garantem verificar-se, os bancos credores (entre os quais o BCP, o Deutsche bank, a CGD e o BIC, e outros com menor expressão, como o BPI), têm recusado um acordo.
A dívida bancária da TAP (cerca de 650 milhões de euros no final do ano passado, dos quais mais de 500 milhões tinham um prazo de pagamento inferior a um ano) tem aval do Estado, uma vez que a empresa é detida pela Parpública. O negócio de privatização só se pode concretizar se o comprador (a Gateway) substituir a dívida com aval público por dívida privada. Mas os bancos não aceitam manter os créditos se tiverem de substituir a garantia do Estado pela dos accionistas privados, e, por isso, ameaçam executar a dívida antes da venda.
No centro da polémica está o artigo 501 do Código das Sociedades Comerciais sobre as “responsabilidades para com os credores da sociedade subordinada” e as diferentes interpretações sobre se é ou não aplicável à Parpública, que continuará detentora de 34% da TAP.
Fontes do sector destacam que a recusa em aceitar transferir os créditos para a esfera da TAP privatizada demonstra que os bancos não acreditam nem no projecto de privatização, nem nos futuros accionistas. Caso contrário, já teriam aceitado passar a dívida para a TAP ou o próprio consórcio já teria encontrado novos financiadores para substituir os actuais. O que não é o caso.
Assim, embora o Governo tenha defendido que cabe aos novos donos as responsabilidades com a dívida da TAP, se estes não encontrarem novos financiadores e se os actuais rejeitarem qualquer acordo, a margem de manobra do Estado será muito reduzida: ou deixa falir a empresa, ou pede autorização a Bruxelas para injectar fundos na companhia com o compromisso de proceder a uma reestruturação profunda que poderá levar à venda de activos, dispensa de trabalhadores e cancelamento de rotas.