Guia para a formação de um governo

As negociações políticas prosseguem, mas há um caminho até à formação do governo. O PÚBLICO apresenta-lhe as etapas do processo.

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Cavaco vai doar parte da sua biblioteca Daniel Rocha

No rescaldo das legislativas, o país político vive momentos inéditos. As negociações entre partidos multiplicam-se e os cenários sobre a formação de governo são diversos. Com o PS a assumir o papel de pivot, desenrolam-se negociações para determinar a constituição de um executivo quer com a coligação Portugal à Frente, que ganhou as eleições, quer com os partidos à sua esquerda BE, PCP e PEV.

Nada estava fechado na terça-feira, quando Pedro Passos Coelho e Paulo Portas, chefiando as delegações do PSD e do CDS, entraram no Largo do Rato para se reunirem com o secretário-geral do PS, António Costa. E não é de excluir que os socialistas optem por propor um governo minoritário do PS apoiado pelo BE, pelo PCP e pelos PEV.

Nas mãos do Presidente

Não há prazo para as negociações, ainda que até ao final do mês deva tomar posse a Assembleia da República eleita a 4 de Outubro. Esta quarta-feira os resultados eleitorais ficarão definidos, incluindo os votos dos círculos da emigração. Depois, será a vez de os mapas eleitorais serem publicados em Diário da República. O Parlamento toma posse até três dias após esta publicação.

Entretanto e depois de contados os votos dos emigrantes e apurados os resultados eleitorais globais, o Presidente da República dá início às audiências institucionais aos partidos que ganharam assento parlamentar com vista à indigitação de um primeiro-ministro que passe à fase de formação de governo.

A estas audiências o Presidente é livre de acrescentar a convocação de um Conselho de Estado, órgão constitucional da sua consulta pessoal e não vinculativa. Registe-se que não há prazo, nem na Constituição nem nas leis, para que o Presidente faça a indigitação do primeiro-ministro, pelo que as negociações entre partidos se podem prolongar.

A solução pode ser assim um governo da coligação do PSD com o CDS, apoiado parlamentarmente pelo PS ou em que haja mesmo um acordo de governação que leve o PS a indicar ministros socialistas, embora Costa já tenha dito que não participa num governo da coligação.

Se se decidir por uma solução de governo do PS apoiado pelas bancadas à sua esquerda, António Costa tem alguns obstáculos a ultrapassar: conseguir um acordo real, convencer o próprio PS da bondade dessa solução, ser indigitado pelo Presidente da República na função de primeiro-ministro e sobreviver parlamentarmente com um governo de minoria.

Um acordo escrito

Qualquer solução de governo à esquerda ou à direita terá de passar por um acordo de governo escrito. António Costa já repetiu que esse acordo terá de prever a duração de uma legislatura, ou seja, quatro anos. E, nesse sentido, terá de incluir um mapa temporal de realização de medidas e de consagração orçamental da governação, incluindo financeiras, e dos compromissos financeiros externos e internos do país.

A existência deste acordo escrito terá de ser prévia à indigitação de um primeiro-ministro pelo Presidente. De acordo com as informações recolhidas pelo PÚBLICO, esta é uma exigência de Cavaco Silva para indigitar um chefe de governo.

Este acordo pode ser de governo e incluir a participação de ministros indicados pelos partidos subscritores, ou pode ser um acordo de incidência parlamentar que não pressuponha a participação no executivo. Pode ser até apenas um acordo que pressuponha a viabilização de Orçamentos do Estado.

Nesse acordo, não são apenas as grandes linhas de orientação para a legislatura que terão de estar escritas. Há situações concretas que nele terão de constar. De acordo com um responsável do PS, se o acordo que vier a ser estabelecido for com o BE e o PCP, há que ficar registado o compromisso de bloquistas e de comunistas com a solução de problemas como a TAP e a situação bancária. Na TAP, comunistas e bloquistas têm de aceitar que a companhia, em que o Estado tem ainda participação, venha a ser reestruturada como forma de garantir o seu financiamento pela banca. Ora, isso poderá implicar despedimentos e os socialistas têm de garantir que os sindicatos não saem à rua em protesto.

Já no sector bancário a situação é de “corda na garganta” e uma reestruturação pode levar mesmo à fusão de algumas instituições como o Novo Banco, o BCP, o Banif, o Montepio. Aqui, mais uma vez, o perigo de despedimentos coloca-se.

Convencer o próprio PS

Costa não terá só de negociar um acordo com os outros partidos: qualquer que seja a solução, terá de ser aprovada dentro do PS. E neste ponto a questão é sensível. Por um lado, há no PS quem se oponha a um acordo de viabilização de um governo da PaF, pois considera que isso conduz ao desaparecimento eleitoral do PS e ao engolir do PS pelo PSD. É aquilo a que o secretário nacional Porfírio Silva chamou “pasokização”.

Há, por outro lado, existe no PS quem se preocupe com os riscos de um acordo à esquerda precisamente pela questão da identidade do PS poder ser posta em causa. À espera de ver em que tudo isto resulta, o PS aguarda – em causa pode estar o desempenho do poder governativo, a razão de ser dos partidos políticos.

Quando Costa encontrar uma solução, terá de a apresentar à comissão política para ser votada. O secretário-geral pode mesmo vir a convocar uma reunião conjunta deste órgão com a comissão nacional e até com os deputados eleitos à Assembleia. De acordo com as informações recolhidas pelo PÚBLICO não deverá ser realizado qualquer referendo interno.

Sobreviver na AR

Decisiva será a sobrevivência parlamentar do governo. Tudo indica que o Presidente deverá proceder em qualquer caso à indigitação de Passos Coelho como primeiro-ministro. Mesmo que Costa opte por um acordo à esquerda e o obtenha, Cavaco é um institucionalista e deverá respeitar a tradição de que em Portugal forma governo quem ganha eleições. Ainda que haja quem defenda que o Presidente pode dar posse a Costa, se este tiver um acordo sustentável, a questão não é de legitimidade constitucional, mas de legitimidade política.

Se Costa tiver já um acordo garantido à esquerda, é natural que venha a votar favoravelmente a moção de rejeição do programa de governo da coligação do PSD-CDS que o BE e o PCP já prometeram. Nesse caso, Costa terá de conseguir segurar a bancada. É que, apesar de haver um documento assinado pelos candidatos a deputados do PS de que estão vinculados à orientação da direcção do partido na votação de questões nevrálgicas de governação, o que é facto é que o deputado tem autonomia de mandato, segundo a Constituição. E as contas são fáceis de fazer: basta faltarem à sessão plenária uma dezena de deputados e a coligação pedir uma votação nominal.

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