Quando a ciência económica decide conhecer o mundo real

Angus Deaton é o prémio Nobel da Economia deste ano, por ter decidido estudar a pobreza, o consumo e a desigualdade sem olhar apenas para dados agregados.

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Angus Deaton numa imagem de 2008 que figura no site da universidade norte-americana de Princeton AFP/UNIVERSIDADE DE PRINCETON/LARRY LEVANTI
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Um aspecto do salão da Academia Real das Ciências das Suécia no momento do anúncio do Nobel REUTERS/Maja Suslin

Em 2013, no mesmo ano em que Thomas Piketty publicava em França o seu bestseller sobre desigualdade "Capital no século XXI”, outro livro sobre o mesmo tema chegava às bancas nos Estados Unidos, com muito menor impacto mediático. Chamava-se “The Great Escape” (A grande fuga) e era sobre a capacidade dos milhões de pessoas no Mundo a viverem em pobreza extrema poderem fugir dessa situação. O seu autor era o economista britânico Angus Deaton. Esta segunda-feira, Deaton, não Piketty, recebeu o prémio Nobel da Economia.

Não terá sido apenas por causa deste livro que a mais conhecida distinção na ciência económica ficou este ano nas mãos deste economista de 69 anos, professor na Universidade Princeton nos Estados Unidos. A Real Academia Sueca das Ciências explicou a sua decisão com os contributos dados por Angus Deaton para a “análise do consumo, pobreza e bem-estar”.

Em termos técnicos, os dois principais avanços realizados pelo economista ocorreram na primeira metade da sua carreira. O primeiro, e talvez o mais importante, foi o desenvolvimento de um “sistema de procura” que ajudasse a perceber de uma forma mais próxima da realidade como é que, por exemplo, os níveis de consumo de um determinado bem se alteram perante variações de preços ou de impostos. Os vários factores que influenciam o consumo de um bem tornam esta questão bastante mais complexa do que uma simples análise entre o preço e a procura e o sistema criado por Deaton foi um primeiro passo, que depois foi desenvolvido por outros economistas.

Outro avanço foi o estudo daquilo que acabou por ficar conhecido como o “paradoxo de Deaton” e que consiste no facto observável de que o consumo apresenta variações surpreendentemente suaves perante a iminência de choques permanentes no rendimento

Estes dois contributos, embora muito importantes para a carreira de economista de Deaton, não foram aquilo que o tornaram mais conhecido. O que o distingue de todos os outros é a ideia central, presente em todos os seus trabalhos, de que é preciso olhar muito atentamente e em detalhe para os dados estatísticos disponíveis para conseguir perceber como é que as pessoas se comportam e reagem a choques.

Não basta olhar para dados agregados ou para modelos, é preciso ir ao detalhe para compreender a realidade. “Para desenhar uma política económica que promova o bem-estar e reduza a pobreza, primeiro temos de compreender as escolhas de consumo individuais. E mais do que ninguém Angus Deaton aumentou essa compreensão”, disse a Academia na sua apresentação do prémio.

No capítulo do consumo, aquele a que dedicou uma maior parte do seu trabalho, o que Angus Deaton fez foi, sobretudo, estabelecer ligações claras entre o rendimento e o consumo e entre as escolhas de consumo individuais e os resultados agregados. Ao fazê-lo criou instrumentos que podem ser usados por quem tem de tomar as decisões de política económica.

Por exemplo, quando um Governo decide aumentar a taxa do IVA de um determinado bem, a medição do impacto que essa medida poderá ter sobre o consumo não pode assumir que todas as pessoas se comportam de forma igual perante choques no seu rendimento ou nos preços. Também não se pode assumir que todas as pessoas são afectadas pela medida de forma igual. Para responder a estas questões é preciso saber como é que factores como o nível de rendimento ou a idade afectam as decisões de consumo.

O trabalho de Angus Deaton na medição dos níveis de bem-estar e de pobreza nos países desenvolvidos também constituiu um contributo importante para a ciência económica. Mais uma vez, o economista não se satisfez com dados agregados que tratam todas as pessoas de forma igual e procurou informação mais detalhada.

Para perceber exactamente qual o nível de pobreza nos países em desenvolvimento, Deaton tentou levar em conta, por exemplo, os diferentes níveis de preços que se aplicam em cada local, os diferentes tipos de bens que são consumidos e o facto de muitas vezes não ser possível analisar as diferenças de preço e qualidade dos bens consumidos.

No seu livro The Great Escape, Angus Deaton apresenta, com o recurso a muitos dados e informação, uma visão relativamente optimista da evolução da pobreza extrema à escala mundial, mas nunca deixa de alertar para os riscos que existem de as desigualdades se auto-alimentarem e garantirem a sua perpetuação.

Nas primeiras declarações públicas depois de receber o prémio, o economista, que se disse “maravilhado e surpreso” por ter sido escolhido pela Academia, afirmou que “se registou nas últimas décadas uma impressionante diminuição” da pobreza extrema, prevendo que essa tendência positiva se mantenha no futuro. “Mas não quero parecer excessivamente optimista porque ainda há muita pobreza no Mundo. O problema ainda não está resolvido”, disse.

Angus Deaton era um dos nomes frequentemente apontado ao longo dos últimos como um candidato a receber o prémio. As apostas colocavam-no normalmente acompanhado por outro economista com trabalho relevante no estudo da desigualdade e da pobreza: o também britânico Anthony Atkinson. Deaton foi escolhido, mas de forma isolada.

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