Segurança Social – Entendimento (im)possível?

De um lado da “barricada” colocaram-se aqueles que consideram que o actual modelo de segurança social é perfeito do ponto de vista conceptual, faltando apenas alinhar os benefícios com aquilo que seria o “sonho” da maioria dos portugueses. Do outro lado, surgiram aqueles que entendem que o sistema tem problemas, ainda que sem consenso relativamente às possíveis soluções.

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De um lado da “barricada” colocaram-se aqueles que consideram que o actual modelo de segurança social é perfeito do ponto de vista conceptual, faltando apenas alinhar os benefícios com aquilo que seria o “sonho” da maioria dos portugueses. Do outro lado, surgiram aqueles que entendem que o sistema tem problemas, ainda que sem consenso relativamente às possíveis soluções.

Quem terá razão nesta discussão?

Partindo de uma análise global do sistema da segurança social (e não apenas pensões de velhice) facilmente concluímos que nenhum dos objectivos do sistema está completamente atingido e, consequentemente, o direito de todos, novos e menos novos, à segurança social não está totalmente garantido.

Isto acontece por quatro grandes razões. Em primeiro lugar, o sistema apresenta-se extremamente complexo, resultado das sucessivas alterações legislativas e da dificuldade em operacionalizar essas mesmas alterações legislativas, bem como em assegurar uma adequada articulação entre os organismos responsáveis pela gestão do sistema.

Em segundo lugar, o sistema é gerador de iniquidade, quando para situações iguais atribui prestações distintas ou quando excepciona determinados grupos das regras gerais, ou ainda quando, directa ou indirectamente, atribui a cidadãos com rendimentos elevados “prestações sociais destinadas a prevenir e erradicar situações de pobreza”.

Em terceiro lugar, o sistema é difícil de controlar, resultado da complexidade legal do sistema, da morosidade no sistema de justiça e da dificuldade no cruzamento de dados entre departamentos da administração pública.

Por fim, o sistema é insustentável porque exige uma carga fiscal excessiva para manter o Sistema de Protecção Social de Cidadania e porque assenta numa relação inadequada entre contribuições e benefícios no âmbito do Sistema Previdencial. 

Perante este quadro de dificuldades, muitos limitam-se a afirmar que os problemas desapareceriam com mais crescimento económico, mais emprego e mais natalidade. Seguramente que tudo seria mais fácil se isso acontecesse. Mas será que a segurança social, ela própria, é “amiga” da Economia, do emprego e da natalidade? Com efeito, será promotora de emprego ou do ócio? Será indutora de mais natalidade ou, ao invés, dificulta a vida de quem quer trabalhar e ter filhos? Será que promove a competitividade das empresas ou, ao invés, dificulta o investimento?

Na realidade, se conseguirmos desenvolver um sistema de segurança social que esteja ao serviço das pessoas e da economia, então o caminho para a sustentabilidade do sistema fica facilitado.

E quais são os requisitos que esse sistema terá de cumprir?

Em primeiro lugar, o sistema terá de ser flexível, ou seja, capaz de responder, em cada momento, às problemáticas sociais emergentes devidamente contextualizada nas novas dinâmicas do mercado de trabalho.

Em segundo lugar, deverá ser eficiente, o que significa que deverá existir uma ligação entre os resultados obtidos e os recursos despendidos (a resposta aos problemas sociais não pode depender, exclusivamente, do montante de recursos empregues em detrimento de uma análise custo-benefício das soluções adoptadas). Por fim, deverá ser sustentável numa perspectiva intertemporal, corolário do princípio da solidariedade intergeracional.

E como podemos fazer cumprir estes três requisitos?   

Em primeiro lugar, importa simplificar o quadro legal, nomeadamente através da unificação da condição de recurso ou da agregação de prestações no âmbito do Sistema de Protecção Social de Cidadania.

Importa também, alterar o modelo de governação, bem como reorganizar e modernizar a estrutura de suporte da segurança social através da fusão de institutos públicos, planeamento integrado das actividades e reengenharia de processos, tudo assente numa estrutura informática robusta.

Um terceiro aspecto prende-se com o reforço dos mecanismos de controlo e no combate sério à fraude e corrupção. Importa também melhorar a comunicação com o cidadão, tornando-a mais transparente e fidedigna, reforçando ainda a educação cívica no âmbito das matérias relativas à protecção social e ao funcionamento do sistema.

Por fim, terá de ser desenvolvido um trabalho profundo no que respeita ao reforço da equidade e sustentabilidade do sistema, sujeitando a condição de recursos todos os benefícios que não resultam do esforço contributivo, ou alinhando os benefícios atribuídos no âmbito do Sistema Previdencial com o esforço contributivo realizado, sem prejuízo de uma diversificação das fontes de financiamento, de forma a assegurar, simultaneamente, a dinamização do mercado de trabalho.

A assunção de um plano de reformas tão abrangente e ambicioso como o que se apresenta, não parece ser completamente realizável no actual contexto político. Mas isso significa que não existem medidas essenciais à reforma do sistema que poderiam ser discutidas, consensualizadas e adoptadas imediatamente? A resposta é clara. Existem e podem ser adoptadas com um consenso político alargado.

Assim, importaria estudar e desenvolver, desde já, estatísticas e métricas que permitissem o acompanhamento detalhado do plano de execução das componentes organizativa e financeira da segurança social.

Em segundo lugar, e porque sem avaliar não é possível corrigir, torna-se urgente a elaboração de estudos de análise do impacto das medidas/políticas de segurança social.

Em terceiro lugar, e no que respeita às estruturas de suporte, não seria difícil assegurar consenso político em torno da modernização do sistema informático de suporte à actividade da segurança social de forma a garantir, no espaço de uma legislatura, a desmaterialização dos processos, assegurando, simultaneamente, a robustez do sistema e a sua eficiência na relação com os beneficiários, trabalhadores e empresas.

De igual forma, merecerá consenso a necessidade de reorganizar o Ministério com vista à eliminação das sobreposições e redundâncias, garantindo, simultaneamente, que o cidadão e as empresas quando se relacionam com o sistema têm a possibilidade de esclarecer todas as suas dúvidas e resolver todos os problemas através de um único interlocutor. Por outro lado, a criação de um Código Prestacional que agregue toda a legislação relevante, não parece merecedor de qualquer divergência política. Consensual parece ser também a necessidade de assegurar os mecanismos legais e demais condições para tornar eficaz o combate à fraude e à evasão contributiva.

De igual forma, não será, porventura, difícil chegar a acordo relativamente à reformulação da modelo de aplicação da condição de recursos, desenvolvendo, simultaneamente, mecanismos legais e áreas de aplicação para que se possa proceder ao cruzamento de dados no que respeita aos rendimentos e património dos beneficiários.

Por fim, e não menos importante, um possível acordo relativamente à diversificação das fontes de financiamento da segurança social parece ser alcançável, atento ao que foi dito em sede de campanha eleitoral por parte dos principais atores políticos.

Estou certo que se os eleitos do passado dia 4 de Outubro colocarem de lado os tradicionais “clubismos”, as medidas elencadas poderão ser implementadas. E o País agradece.

Professor da Universidade Lusíada e antigo vice-presidente do Instituto de Segurança Social