Europa: de que estás à espera?

De facto, não nos reorganizamos se não reconhecermos motivos para tal. Só o faremos se algo nos despertar para uma necessidade de mudança do paradigma vigente – e o que nos desperta?

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Dado Ruvic/Reuters

Num dos muitos mergulhos que dei este Verão, submergi na imparidade e riqueza do pensamento de Vergílio Ferreira. Destemido, livre de qualquer medo, aventurei-me num "pensar" que é seu e nosso, na reflexão que suscita e partilha. E, na inevitabilidade das elucubrações a que as suas palavras convidam, surgiu uma interrogação que, pela profundidade da sua pertinência, não poderia ser ignorada: “como é que o Homem se vai reorganizar sem motivo de reorganização?”. De facto, não nos reorganizamos se não reconhecermos motivos para tal. Só o faremos se algo nos despertar para uma necessidade de mudança do paradigma vigente – e o que nos desperta? A Europa. Indubitavelmente.

No Parlamento Europeu, Merkel e Hollande afinavam pelo mesmo diapasão: urge reforçar a união e o papel da Europa no mundo; urge uma necessidade imperiosa de sentido europeu, capaz de silenciar a timidez do Velho Continente face aos desafios que lhe surgem. Somos a capital do mundo. E temos, enquanto tal, um papel de enorme importância e responsabilidade. Por isto, não podemos vilipendiar o facto incontornável de que precisamos de uma reorganização – e não podemos vilipendiar os motivos que a catalisam.

Primeiramente, importa reconhecê-los. Importa reconhecer as fragilidades que pautam a Europa. E o Verão que findou não foi brando. Como se a crise grega não bastasse, a crise dos refugiados expôs (ainda mais) a inexistência de uma união na Europa. Por estes motivos, duas das iniciativas que nos fazem sentir europeus no mundo – a união monetária e o espaço Schengen – foram violentamente mutiladas. Diante destes acontecimentos, é essencial que a Europa mostre uma vontade singular, na sua pluralidade, de se reorganizar. A morte do projecto europeu afirma-se como uma imagem bem viva no nosso horizonte porque, como bem sublinhou Hollande, “O debate não é entre menos Europa ou mais Europa, é entre a confirmação da Europa ou o fim da Europa.”

A necessidade de reforçar as instituições do euro ou a dificuldade patente na distribuição de 120 milhares de refugiados (sem esquecer, porém, desafios como o conflito da Ucrânia, o acentuar das desigualdades sociais ou o enfraquecimento das democracias europeias, entre tantos outros) são motivos que pedem uma reorganização europeia. A nível de soluções e de valores. É indiscutível. Mas, para que sejamos capazes de nos reorganizar nessas questões, temos de o fazer, previamente, numa matéria que influi sobre todas as outras. A Europa precisa de uma união determinada e una. Perante um mundo em ininterrupto e frenético devir, nas mudanças que imprime em si, não podemos continuar a evidenciar a mesma discórdia, traduzida em passividade e morosidade, na resolução das questões que surgem. Mas também não podemos fugir delas, refugiando-nos, exactamente, na falta de consenso. Hoje, mais do que nunca, precisamos de nos reorganizar. Hoje, mais do que nunca, precisamos de redescobrir o conceito de Europa, para a unir no mesmo caminho.

Porque só assim a Europa será (pro)activa, na prossecução de um caminho de progresso. Os líderes europeus têm de ser capazes de perspectivar o actual contexto com uma visão singular para, com sagacidade, aproveitar a oportunidade de reorganização que a actual conjuntura estimula, colmatando as mencionadas fragilidades que há muito clamam por soluções, e para, face a um mundo cada vez mais globalizado, compreender os desafios do presente num futuro de incertezas. Sem hesitar. Só assim a Europa progredirá.

Não nos reorganizamos sem motivo para tal. Eis os teus motivos, Europa. De que estás à espera?

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