PS perante o “abraço de urso” ou “onda sísmica”?

No PS, parece consensual o reconhecimento da evolução no discurso comunista. Mas o que fazer com essa alteração já não é tão pacífico.

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Nuno Ferreira Santos

Um dia depois da surpreendente reunião na sede do PCP, o PS estava entre o entusiasmo de uma “onda potencialmente sísmica” para a democracia portuguesa e a cautela que antecipa um “abraço de urso”. Após o encontro entre António Costa e Jerónimo de Sousa, a leitura que se fazia no interior do PS não era unânime.

À partida todos os socialistas reconheceram a mudança no discurso comunista. O ex-ministro João Cravinho abraçou a “inflexão” que detectara já no final da campanha como o princípio de uma “alteração do regime de governabilidade” em Portugal, ou seja, “uma onda potencialmente sísmica”.

Reconhecendo que a disponibilidade do PCP para viabilizar um governo do PS “é uma condição necessária mas não suficiente”, este socialista acrescenta depois que “o que está em cima da mesa é a ideia de que a governação do país não é apenas a questão de quem é governo”.  “É também o que fazem os outros órgãos de soberania como a Assembleia da República”, remata.

Cravinho vê o país na iminência de derrubar “o muro que veio do PREC”, que impede que a esquerda à esquerda do PS entre no jogo do poder governamental. “Essa regra do jogo não tem fundamento constitucional”, argumenta, antes de lembrar que tal imposição tem resultado, na prática, numa “hegemonia da direita na governação”.

Um dia antes, o ex-ministro Paulo Pedroso havia também assinalado nas eleições de domingo o “acelerar de uma transformação que pode ser profunda no espectro político português”. No Facebook, o socialista defendia que a recusa do PS em “enfeudar-se à viabilização de um governo com políticas contrárias às suas” e a clarificação do PCP e BE poderiam fazer “funcionar o nosso sistema político assente na proporcionalidade do modo para o qual foi concebido, como gerador de coligações parlamentares alternativas”.

Esta é a posição dos que encaram os últimos dias como uma oportunidade única. No entanto, dentro do PS, há também quem tenha uma postura mais cautelosa. Vitalino Canas reconheceu-se “surpreendido” com a declaração de Jerónimo de Sousa. Mas permanecia na expectativa sobre se esse posicionamento era uma “evolução estratégica ou táctica”, lembrando que o PCP estava “bastante fragilizado pela ultrapassagem [eleitoral] do BE”.

O socialista admite olhar para o posicionamento comunista como “uma verdadeira lança em África”, mas na condição do PCP “aceitar aquilo que sempre tem obstado”. OU seja: NATO, moeda única e tratado orçamental.

Já João Proença, ex-secretário-geral da UGT, foi mais duro. “Parece-me um abraço de urso ao PS”, adivinhando na posição de Jerónimo de Sousa a intenção de “fazer do PS um PS à grega, sem grande impacto eleitoral no curto médio prazo”. E com o risco de “tirar o tapete ao PS, quando muito bem entender”.

É por isso que o ex-dirigente sindical não vê com bons olhos aquilo que a reunião oferece ao PS. “O que dá, no curto prazo, é a formação de um governo com António Costa como primeiro-ministro”, admite. Mas Proença prefere ser mais modesto quando se fala de aceitar a mão do PCP: “São possíveis e desejáveis entendimentos parlamentares que permitam políticas de cariz social, mas não entendimentos de cariz governamental.”

Para João Cravinho, o PS sai da reunião com o “reconhecimento no terreno que a interpretação que fez dos resultados eleitorais está correcta”, ou seja, que “há muito trabalho a fazer e que esse trabalho não se faz só com Pedro Passos Coelho”.

Vitalino Canas também opta por delimitar o impacto temporal da reunião, reconhecendo que deixa sinais para o encontro desta sexta-feira com o PSD e CDS. “Não é que isto seja um leilão, mas acho que sobe a parada. A posição de charneira do PS sai mais cara. O que a direita tem para oferecer terá de ser mais favorável do que seria noutras circunstâncias.”

 

 

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