Klopp, um treinador carismático num clube carismático

Alemão confirmado como próximo técnico do Liverpool para as próximas três temporadas.

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Klopp nos tempos em que treinou o Borussia Dortmund CHRISTOF STACHE/AFP

“Como jogador”, disse em tempos Jurgen Klopp, “tinha talento para jogar na V Divisão e cabeça para estar na Bundesliga”. Como jogador, primeiro como avançado, depois como defesa, não conheceu outra camisola que não fosse a do Mainz, e nunca jogou na Bundesliga. Como treinador, tem estado à altura do que vai na sua cabeça e nesta sexta-feira, um dos melhores e mais carismáticos treinadores da actualidade, recomeça a sua carreira num dos clubes mais históricos da mundo. Jurgen Klopp, “Kloppo”, será apresentado como novo treinador do Liverpool (que já o confirmou por três temporadas) e com a missão de devolver o clube de Anfield ao topo, tal como fez no Borussia Dortmund, o último clube na Alemanha a desafiar com sucesso o domínio do Bayern.

Klopp é um dos mais reputados treinadores do futebol mundial e a Premier League parece um destino natural para o alemão de 48 anos. Klopp é um inovador táctico, adepto do futebol de ataque em alta rotação, um motivador, alguém que vive com as emoções à flor da pele e que tem sempre resposta para tudo, uma fábrica permanente de soundbytes coloridos, aquele que salta a festejar um golo como Michael Jordan voava para o cesto — e por isso também lhe chamam “Air Jurgen”. E desde que, por vontade própria, decidiu abandonar o Borussia no final da época passada, estava na lista de emergência dos grandes clubes da Europa. Queria fazer como Pep Guardiola, cumprir um ano sabático, mas, com a saída de Brendan Rodgers, acabaram por ser apenas quatro meses.

Há 14 anos, Klopp passou de jogador a treinador do Mainz, clube que nunca tinha passado da II Divisão alemã. Com Klopp no comando, o Mainz esteve duas épocas consecutivas à beira da promoção (dois quartos lugares) e, à terceira época, conseguiu-o. Já nesta altura Klopp destacava-se pelo seu estilo meio excêntrico, efusivo nas celebrações, mais a barba por fazer e os óculos de massa. Era carismático, mas ainda não reparavam muito nele, apesar da razoável primeira época na Bundesliga — o Mainz ficou em 11.º.

Só se começou a fazer notar quando foi convidado para comentador televisivo na Taça das Confederações em 2005, onde jogava a Alemanha de Jurgen Klinsmann. “Estava relutante em fazê-lo, mas aceitou porque queria ir ver de perto os jogos do Mundial no ano seguinte”, conta Jan Doehling, na altura editor de desporto da ZDF, canal que iria transmitir a competição. Foi um sucesso imediato porque Klopp era capaz de falar de tácticas “de uma forma informativa, engraçada e sexy”, acrescenta Doehling.

O sucesso foi tal, que repetiu a experiência para o Mundial 2006 e para o Euro 2008, mas nesta altura já o Mainz tinha descido de divisão. Klopp já tinha projecção suficiente para voltar a ter um emprego na Bundesliga e, segundo rezam as crónicas, estava na lista de três grandes clubes alemães, Bayern Munique, Hamburgo e Borussia Dortmund. O Bayern escolheu Klinsmann, antigo avançado do clube e acabado de sair da Mannschaft, enquanto o Hamburgo optou pelo holandês Martin Jol, porque este tinha ido à entrevista de fato e gravata e olheiros do clube tinham ficado preocupados por verem Klopp de calças de ganga rasgadas e um ar desmazelado. Já o Borussia, um histórico em crise absoluta (150 milhões de passivo), não se preocupou com isso. E a “Parede Amarela”, como é conhecida a superior sul do Westfallen Stadium (que leva 25 mil espectadores), agradeceu.

Klopp pode ter saído em baixa de Dortmund, mas o que ele fez em sete épocas fizeram dele um herói. Foi com ele que o Borussia deixou de ser uma equipa medíocre e em crise para se tornar uma das melhores equipas da Europa e financeiramente sustentável. Uma política de recrutamento de baixo custo (aposta na formação, em jogadores descartados de outros clubes e de campeonatos menos meditáticos) foi a base do novo projecto desportivo do Dortmund a que Klopp aplicou a sua filosofia de jogo de matriz ofensiva, vertical, de alta pressão e alta rotação.

“Os adeptos não nos devem reconhecer apenas porque usamos camisolas amarelas e negras. Mesmo que joguemos de vermelho, toda a gente no estádio deve pensar, ‘Uau, este só pode ser o Borussia’”, disse Klopp quando chegou ao clube. Depois de um renascimento sustentado, os resultados apareceram em 2011, com o título de campeão alemão, a que se seguiu mais um em 2012. Depois, mais dois segundos lugares e uma final perdida na Liga dos Campeões — tanto na Champions como na Bundesliga, o adversário inultrapassável chamava-se Bayern Munique.

Os elogios a Klopp são unânimes e todas as opiniões apontam para um casamento perfeito de “Kloppo” com o Liverpool, que já não é campeão inglês desde 1990, relegado para segundo plano por duas equipas de Manchester (City e United) e duas de Londres (Chelsea e Arsenal). Depois de três anos sem títulos com Brendan Rodgers, o Liverpool volta a apostar num treinador fora das ilhas britânicas (antes foram o francês Gerard Houllier e o espanhol Rafa Benítez) e espera que Klopp, homem com autoestima suficiente para admitir que tem implantes capilares, faça justiça ao seu futebol heavy metal, barulhento e intenso.

A filosofia de Klopp numa frase: “Para mim, o futebol é algo emocional, muito rápido, muito forte, nada aborrecido e nada como xadrez. Também com táctica, claro, mas táctica com coração. As coisas tácticas são importantes, mas a emoção faz a diferença. O nosso jogo tem de ter vida, isso é que é importante.”

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