“O râguebi precisa de uma alternativa credível”

Luís Cassiano Neves, advogado especialista em Direito do Desporto, anuncia a candidatura às eleições da Federação Portuguesa de Rugby com o objectivo de recuperar a “credibilidade das operações e competições nacionais”.

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Luís Cassiano Neves Rui Gaudêncio

Com um currículo de respeito dentro (foi internacional pela selecção nacional de sevens) e fora do campo (campeão nacional como treinador pelo CDUL e director-geral da SAD do Belenenses), Luís Cassiano Neves é, a partir de hoje, oficialmente candidato à presidência da Federação Portuguesa de Rugby (FPR). Contando com o apoio de várias figuras de renome do râguebi nacional, este advogado, de 37 anos, explica nesta entrevista ao PÚBLICO os motivos que o levaram a avançar com a candidatura às eleições, que terão lugar a 3 de Novembro.

O que é que se passa com o râguebi nacional?
O râguebi nacional atingiu o seu ponto mais baixo, em função das opções protagonizadas nos dois últimos mandatos. A falência absoluta do modelo resultou, infelizmente, numa notória falta de credibilidade. Reina uma indiferença assustadora, só cortada pela indignação de vários dirigentes. Os resultados desportivos dispensam comentários, os consecutivos atropelos regulamentares colocam em causa a integridade da modalidade, a incapacidade comercial é evidente, a ausência de comunicação é abjecta. No meio de tudo isto, ainda somos confrontados com incidentes que, do ponto de vista institucional, são lamentáveis, como a rábula das eleições. A federação pareceu mais interessada em organizar um congresso da modalidade do que o processo eleitoral, incluindo a organização atempada dos cadernos eleitorais ou a fundamentação de alterações de última hora ao regulamento eleitoral, que acabaram rejeitadas pelos clubes.

São esses os motivos que o levaram a avançar com a candidatura?
A nossa comunidade é relativamente pequena e as pessoas conhecem-se bem. Não se faz oposição de forma gratuita. Candidato-me porque tenho plena consciência que o râguebi precisa, hoje, de uma alternativa credível, com gente de qualidade insuspeita. Tivemos a felicidade de reunir na nossa lista pessoas com história no râguebi e sucesso nas suas vidas profissionais.

Carlos Amado da Silva, presidente da FPR, afirmou que se perder as eleições, quem vier a seguir terá mais dificuldades em resolver algumas “responsabilidades”. Isso preocupa-o?
Preocupa-me, sobretudo, pelo que subjaz à afirmação, e que me parece ser pernicioso. Ou Amado da Silva considera que no país não há quem possa gerir a federação com tanta ou mais competência que ele, algo que me parece manifestamente desajustado, ou então existem especificidades que não foram explicadas. Não compreendo em que medida as tais “responsabilidades” não possam ser resolvidas por um gestor de competência mediana. Estou certo que o esclarecimento relativo a esta matéria chegará mais tarde ou mais cedo. 

A credibilidade e a recuperação financeira são apresentados como os principais trunfos da actual direcção. Reconhece esses méritos?
Não recordo uma época em que não tenhamos tido dúvidas sobre os processos de inscrição de jogadores, suspeitas sobre a identidade de praticantes, sanções desportivas absurdas corrigidas pelo Conselho de Justiça, bancadas vazias nos eventos da federação. Falamos de que credibilidade, ao certo? No que respeita à recuperação financeira, reservo comentários definitivos para as conclusões de uma auditoria independente, que ordenaremos em caso de vitória. Existem sinais preocupantes que apontam para uma situação financeira extremamente precária. No futuro, e por imperativo do Gonçalo Neto, que coordenará todas as questões de natureza financeira, realizaremos auditorias independentes periódicas e publicaremos os respectivos resultados.

Outras das medalhas apresentadas é o apoio dado aos clubes fora de Lisboa. Esta direcção promoveu a descentralização do râguebi português?
Parece-me que estamos perante um mito. Esta direcção reduziu em mais de 60% o financiamento às associações regionais e registam-se atrasos significativos no pagamento dos duodécimos. Uma efectiva descentralização não resulta de meia dúzia de treinos ministrados por técnicos e da oferta de 10 bolas por clube. Não podemos pretender que existe descentralização apenas porque existe disponibilidade para atender o telefone e ajudar com uma inscrição de última hora. O desenvolvimento do râguebi em todo o país depende da concepção e implementação de um plano de desenvolvimento e formação, com acompanhamento e avaliações periódicas da efectiva integração dos clubes, assegurando que aqueles que mais contribuem, que mais crescem, que mais credibilizam a modalidade, são reconhecidos e recompensados.

O presidente da FPR admitiu que o seu calcanhar de Aquiles foram os resultados nos seniores, mas sublinha que foram dadas todas as condições às equipas técnicas…
Nesse ponto, gostaria de deixar claro que os resultados desportivos, e nomeadamente os dos seniores, são apenas um dos elementos na avaliação da performance de uma direcção federativa. Contudo, a alta competição e as equipas seniores foram o cesto onde esta direcção colocou todos os ovos. Preocupa-me que esta direcção tenha, em 2014, gasto significativamente mais na alta competição do que em 2013, com os resultados conhecidos, ao passo que o departamento de desenvolvimento registou uma quebra de 30%, o de formação de 57%, e o de comunicação de 56% face ao que havia sido orçamentado. Dinheiro que saiu da base de sustentação para ser despejado, num frenesim resultadista, sobre uma equipa sénior descaracterizada, sem alma nem ambição.

Quais serão as consequências para o râguebi português se o World Rugby concretizar a ameaça de reduzir os apoios a Portugal devido aos maus resultados actuais?
Potencialmente devastadoras. Em 2014, a World Rugby contribuiu com cerca de 460 mil euros, aproximadamente 20% do orçamento operacional da federação. Num contexto em que é expectável que as receitas venham a decrescer significativamente, a diminuição do apoio prestado pela World Rugby prejudicará a recuperação da modalidade. Contamos com a vasta experiência do António Vieira de Almeida, que terá a seu cargo as relações externas, para reformular a nossa relação com a World Rugby para assegurar o nível de apoio necessário à prossecução do nosso projecto.

Nas camadas jovens os resultados têm sido positivos. É mérito da federação?
É mérito da federação e das pessoas que lá trabalharam. No entanto, os resultados têm de ser analisados com honestidade intelectual. A actividade formativa serve dois propósitos: um principal, de alimentação da equipa sénior nacional, e um segundo que passa pelo fomento da prática da modalidade e correspondente implementação social. Nestes dois pontos, vemos que infelizmente os bons resultados pontuais são fruto das competências reunidas circunstancialmente, e não de uma política de formação sustentada. Já este ano, durante vários meses, os sub-20 tiveram um treinador apenas. Os sub-17 estão sem competição relevante há demasiado tempo e continuamos a perder demasiados jogadores na transição para seniores. Há muito trabalho a fazer e neste particular estamos absolutamente convictos que saberemos fazer muito melhor, sob a orientação do Francisco Branco, um dos responsáveis pela campanha dos sub-18 na temporada transacta, que tem praticamente 10 anos de experiência e resultados na área do desenvolvimento e da formação.

O râguebi em Portugal continua a ser uma modalidade com pouca visibilidade. O que pode ser feito para alterar essa realidade?
Temos de tratar do produto. Não vale a pena investir no embrulho se o conteúdo é mau. Temos de empreender um trabalho profundo, de afirmação da credibilidade e elevação da qualidade das nossas competições, que demora pelo menos cinco a seis anos, e que resultará da aposta no desenvolvimento e formação. Temos também a tarefa urgente de investir em comunicação. Temos histórias fenomenais de superação diária um pouco por todo o país, testemunhos de enorme valor social, trabalho francamente notável em condições adversas. O nosso râguebi, aquilo que nos distingue, passa muito pelo que fazemos fora do campo. A federação tem de comunicar tudo isto a nível nacional, mas também a nível regional, dando relevância a todos os clubes e agentes desportivos. E finalmente, temos de recuperar os traços distintivos da modalidade, sobretudo o conceito de respeito e fair play, no sentido de valorizarmos a nossa contribuição para os parceiros comerciais. Não podemos continuar a exigir dinheiro e a oferecer, em contrapartida, apenas umas estampagens numas camisolas.

Quais serão as suas prioridades caso seja eleito?
Recuperar a identidade da selecção sénior de XV e normalizar os resultados desportivos. Implementar um plano nacional de formação, qualificação e recrutamento de praticantes, treinadores, árbitros e dirigentes. Implementar procedimentos internos que recuperem a credibilidade das operações e competições nacionais. Recuperar a marcas FPR e introduzir novas marcas, conteúdos e plataformas, por forma a aumentar as receitas comerciais. Relativamente ao râguebi feminino, todo o desporto nacional deve compreender que temos a possibilidade de contar pela primeira vez com uma selecção feminina portuguesa nos Jogos Olímpicos. É imprescindível assegurar as melhores condições possíveis de preparação, que começou já mal, com o cancelamento do estágio previsto para Setembro. Temos nove meses para nos prepararmos para uma representação condigna e ambiciosa.

Alcançar o apuramento para o Mundial 2019 é um cenário realista?
É extemporâneo traçar metas, porque sinceramente desconhecemos o real estado financeiro da federação. Mas não teremos connosco nenhum jogador, treinador ou dirigente que não tenha como objectivo a presença no Mundial de 2019.

Há dirigentes que afirmam que “votos em troca de favores” acontece muito no râguebi português. É um cenário que teme?
Não o ignoro em abstracto, não sei se se verifica em concreto, mas também não o temo. A independência da nossa proposta é inegociável. Poderíamos ter anunciado a candidatura há três meses e convencido os clubes a indicar dirigentes e membros de órgãos sociais, fazendo concessões num lado, promessas no outro. Preferimos identificar uma missão, trabalhar a nossa visão e plano estratégico. A nossa é uma promessa colectiva. Agora apresentamo-nos aos clubes, convictos que as nossas ideias têm valor, mas perfeitamente conscientes que o projecto da federação tem de ser o projecto dos clubes. Estamos dispostos a ouvir, a reconhecer a realidade que pretendemos regular. Se o râguebi português entender que somos a melhor solução, assumiremos o desafio com enorme empenho.

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