MP acusa juízes de violarem a Constituição com fim do segredo no caso Sócrates

Em causa a decisão de Rui Rangel que o procurador diz ser nula. Desembargadores anularam despacho de Carlos Alexandre, mas consideraram que o prazo máximo do inquérito não se esgotou, pelo que processo poderia continuar em segredo.

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José Sócrates é acusado de ter conduzido Portugal à bancarrota Miguel Manso

O Ministério Público (MP) fez chegar na tarde desta segunda-feira ao Tribunal da Relação de Lisboa um pedido de nulidade do acórdão daquele mesmo tribunal que há quase duas semanas decidiu o fim do segredo de justiça interno no processo em que é arguido José Sócrates.

Para o procurador-geral adjunto junto daquele tribunal superior, o acórdão é nulo "porque ao declarar o fim do segredo de justiça interno desde 15 de Abril de 2015, enquanto decorre o prazo normal de inquérito", os juízes Rui Rangel e Francisco Caramelo decidiram sobre uma "questão que, por lei, está subtraída à sua apreciação", salientou a Procuradoria-Geral da República (PGR) num comunicado enviado ao início da noite desta segunda-feira. A PGR refere-se à competência do juiz de instrução, Carlos Alexandre, neste caso, o único que poderia decidir se o segredo vigora ou não.

Mas o Ministério Público vai mais longe e acusa Rui Rangel e Francisco Caramelo de violarem a Constituição com a sua decisão. "A interpretação vertida no acórdão violou princípios constitucionais, designadamente o da protecção do segredo de justiça", sublinha a Procuradoria. Tal deixa a possibilidade de, mais tarde, o MP eventualmente recorrer para o Tribunal Constitucional, caso a decisão se mantenha nos actuais moldes. Serão novamente os juiz Rui Rangel e Francisco Caramelo a analisar o requerimento entregue pelo procurador no dia em que terminava o prazo de dez dias após a decisão, tempo durante o qual o MP poderia reagir formalmente à decisão dos desembargadores.

A defesa de Sócrates terá agora de ser notificada desta posição e terá outros dez dias para se pronunciar quanto a este requerimento. Só depois disso os juizes responderão ao MP. Certo é que a decisão final, face aos prazos previstos, já só deverá ser conhecida depois de 19 de Outubro, data para o fim do inquérito. O segredo poderá, por isso, continuar durante semanas até que haja uma resposta ao pedido do MPContactado pelo PÚBLICO, o assessor dos advogados de José Sócrates, Nuno Fraga Coelho, disse apenas que "a defesa ainda não foi notificada [do requerimento do MP] e que só irá comentar quando o for". Um dos advogados, Pedro Delille, insiste que o MP está a recorrer a um "expediente dilatório" para atrasar ao máximo o acesso da defesa a todo o processo.

Com a decisão de Rangel e Francisco Caramelo, a defesa do ex-primeiro-ministro passaria a ter acesso total ao processo. O procurador-geral adjunto junto da Relação, considera, porém, que o acórdão não poderá ter qualquer efeito, continuando o processo em segredo, pois a decisão dos juízes, entende, é nula.

A 24 de Setembro, o juiz relator do acórdão, juiz Rui Rangel, e o colega Francisco Caramelo consideraram que, nesta fase, não se justificava a manutenção do segredo de justiça, decretando o fim do segredo interno, o que significava que os nove arguidos e os assistentes poderiam consultar todos os elementos recolhidos pela investigação desde o início do inquérito. O processo mantinha-se, contudo, inacessível para terceiros.  
Os advogados de José Sócrates e dos outros arguidos têm tido um acesso muito limitado ao processo, que se restringe aos elementos de prova invocados pelo Ministério Público para fundamentar as respectivas medidas de coacção.

Apesar de terem dado razão à defesa de Sócrates neste aspecto, os juízes recusaram que o Ministério Público tenha excedido o prazo da investigação, o que, na visão da defesa, deveria ter dado origem à libertação imediata do ex-primeiro-ministro, que se encontra desde o início de Setembro em prisão domiciliária.

O acórdão de Rui Rangel e de Francisco Caramelo deixou dúvidas entre vários juristas. Isto porque os juízes desembargadores anularam um despacho do juiz de instrução, Carlos Alexandre, de 15 de Abril, que pretendia acautelar a possibilidade de vir a ser invalidada a declaração da especial complexidade do caso - o que reduziria o prazo máximo do inquérito e, com o fim deste, terminaria o segredo de justiça para os intervenientes do processo.

Como estava pendente um recurso na Relação de Lisboa para avaliar a especial complexidade do processo e como, pelas contas do Ministério Público, se a mesma fosse invalidada, o prazo limite para o inquérito seria 18 de Abril, o procurador decidiu pedir a Carlos Alexandre que prolongasse o segredo de justiça por três meses, uma possibilidade prevista na lei para quando se esgotam os prazos máximos do inquérito.

No entanto, num acórdão de 17 de Junho, a Relação de Lisboa validou a especial complexidade do processo, logo, o inquérito nunca chegou a atingir o seu limite. Aliás, são os próprios juízes Rui Rangel e Francisco Caramelo a concluir que o prazo máximo da investigação só se esgota a 19 de Outubro. Ora, se o prazo de inquérito não atingiu o limite, o segredo de justiça interno não terminou e o despacho do Juiz Carlos Alexandre de 15 de Abril torna-se inútil. Por isso, mesmo que esse despacho fosse ilegal por falta de fundamentação, como dizem Rui Rangel e Francisco Caramelo, tal não levaria ao fim do segredo de justiça interno, porque aquele despacho não chegou a ter qualquer efeito no processo.

José Sócrates foi detido a 21 de Novembro de 2014, no aeroporto de Lisboa, estando indiciado pelos crimes de fraude fiscal qualificada, branqueamento de capitais e corrupção passiva para acto ilícito. 

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