Tudo em aberto

Os próximos tempos serão instáveis e não há cenários fechados.

As eleições de domingo deixaram o país num impasse. Não houve maioria absoluta e não há sinais evidentes de que, à esquerda, algum partido se mostre disponível para viabilizar um Governo minoritário da coligação, a não ser que esta faça grandes concessões programáticas. A própria situação de fragilidade do Presidente da República não lhe dá grande margem de manobra para mediar negociações capazes de ultrapassar com sucesso a instabilidade política que os resultados das legislativas prenunciam. Tanto mais que, tendo saído como a força política mais votada, é impossível ignorar que a PaF perdeu centenas de milhares de votos e muitos mandatos na Assembleia da República, ficando absolutamente manietada no cumprimento do seu programa, mesmo que por milagre o conseguisse fazer passar no Parlamento. Cavaco Silva não deixará de ter isso em conta na sua avaliação política, mas não é esse o seu único problema. Do lado do PS, as dificuldades não serão menores. Os números também são dramáticos para António Costa, que perdeu as eleições para a coligação, apesar de quatro anos em que os portugueses sofreram a maior austeridade de que há memória em 40 anos de democracia. Decepcionante, tanto mais que o líder do PS pediu a maioria absoluta até ao último minuto da campanha, contra todos os indicadores e todas as evidências, mas também decepcionante à luz das expectativas que o próprio Costa colocou há um ano sobre si próprio, quando proferiu a sentença de morte sobre António José Seguro, apoucando a sua vitória nas europeias.

Mas Costa não é Seguro e ontem à noite já mandou recados em todas as direcções. Aos que já estão a afiar internamente as facas para lhe cobrar a derrota, avisou que não se demite. Ao sector moderado do partido, deu garantias de que “o PS não contribuirá para maiorias negativas”. À ala mais à esquerda, prometeu indisponibilidade para “viabilizar as políticas da coligação”, enumerando mesmo as quatro linhas vermelhas do seu programa eleitoral – virar de página da austeridade, defesa do Estado social, relançar o investimento na ciência e cultura e respeito pelos compromissos europeus e internacionais de Portugal – e, finalmente, disse ao Bloco e ao PCP que se, de facto, não querem um governo da coligação, então que se comprometam numa alternativa. Em suma, Costa não dá qualquer sinal de querer sair de cena, colocando-se mesmo no epicentro de todas as soluções, seja para não derrubar de imediato um eventual governo minoritário de direita, seja para liderar um executivo à esquerda.

Um dos aspectos mais assinaláveis desta eleição é justamente o peso que ganharam os dois partidos à esquerda do PS. Pela primeira vez, deixaram de ser dispensáveis na procura de uma solução de Governo estável e estarão, sem dúvida, no epicentro das conversações. O seu crescimento exponencial, sobretudo o Bloco de Esquerda, é um sinal de que ninguém se pode alhear.

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