A possibilidade do amor

A Vida Independente terá um papel importantíssimo na emancipação afectiva e sexual para todos aqueles que têm sido votados a uma vergonhosa exclusão social.

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Gareth Williams/Flickr

Há um tema, no âmbito da deficiência, que está na ordem do dia. Não há pessoa com diversidade funcional que não saiba o que é e que não a defenda com unhas e dentes. Os atores políticos também, cada vez mais, conhecem e têm vindo a apoiar. Mais ao nível do poder autárquico, é certo. Refiro-me ao que se convencionou chamar Vida Independente (VI).

Para aqueles que ainda desconhecem o conceito, informo que se trata de uma filosofia assente na liberdade, dignidade e autodeterminação da pessoa com deficiência. Trata-se de um paradigma que entra objectivamente em ruptura com a terceiro-mundista e desumana institucionalização ainda vigente no nosso país. Assim, em termos práticos a VI prevê a desinstitucionalização de pessoas para que possam viver como os demais cidadãos: em suas casas. Prevê ainda a criação de uma figura denominada Assistente Pessoal que será as mãos, as pernas ou até mesma a função cognitiva da pessoa que assiste. Fará aquilo que, no seu quotidiano, a pessoa com deficiência não consegue fazer devido às suas limitações.

Poderá pensar-se que não há dinheiro para implementar tal paradigma, por sermos um país pobre ou por estarmos ainda (talvez eternamente) em crise. Esse não parece ser o problema já que o estado português paga às instituições por cada utente com deficiência cerca de 950 euros mensais. Em alguns casos chega mesmo a ultrapassar esse montante.

Como é de fácil compreensão, a possibilidade de implementação desta filosofia em Portugal é vista como a única oportunidade real de os portugueses com diversidade funcional viverem uma vida plena. E assim tem sido defendida pelos activistas que por ela têm lutado e assim também tem sido compreendida pelos agentes políticos que a têm apoiado (ainda poucos infelizmente). Argumenta-se portanto que com a VI muitos portugueses serão pela primeira vez livres, autónomos e responsáveis pelas suas vidas. Uma vida social, uma vida profissional, uma participação activa na sua comunidade passam de um sonho para uma realidade bem possível. Mas um há aspecto que não tem sido abordado e usado como argumento absolutamente essencial para a sua defesa. Mais uma vez, o amor, os afectos e a sexualidade foram colocados de lado, propositadamente, ou pelo não menos dramático, esquecimento.

Sejamos claros, a Vida Independente terá um papel importantíssimo na emancipação afectiva e sexual para todos aqueles que têm sido votados a uma vergonhosa exclusão social. E este argumento deve ser colocado em cima da mesa e deve ser usado na luta pela implementação nacional da VI. “A sexualidade faz parte da personalidade de cada um, é uma necessidade básica e um aspecto do ser humano que não pode ser separado de outros aspectos da vida. (...) Se a saúde é um direito humano fundamental, a saúde sexual também deveria ser considerada um direito humano básico”, diz-nos a Organização Mundial de Saúde.

A VI permitirá vivência social e a percepção por parte da sociedade de que somos mais iguais do que diferentes. Permitirá conhecimentos de novos contextos e experiências. Permitirá marcar aquele café e aquela ida ao cinema para ver um filme sem importância. Permitirá, finalmente, aceitar convites. A VI constituiu-se como a derradeira oportunidade de vivência dos afectos. É uma possibilidade apenas, porque nessas coisas do amor não há certezas. Mas a possibilidade é já tanta coisa...

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