Só 63 menores foram identificados após a entrada em vigor da nova lei do álcool

Inspectores da ASAE garantem que o número de menores identificados "é residual" e denunciam falta de meios para fiscalizar a lei. Entidade diz não ter dados sobre identificados em 2013 e 2014 e este ano as acções de fiscalização limitaram-se aos festivais de Verão.

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Durante a década de 1950, estudos psiquiátricos defendiam a utilização do LSD para o tratamento de álcool Sérgio Azenha (arquivo)

Em três meses, desde que a nova lei do álcool entrou em vigor, em Junho deste ano, apenas 63 menores foram identificados por consumo, o que corresponderia a uma média de cerca de vinte por mês, quase cinco por semana e menos de um por dia, naquele período de tempo. Ao número, que os inspectores da Autoridade para a Segurança Alimentar e Económica (ASAE) consideram residual, acrescenta-se ainda o facto de todos esses jovens terem sido detectados por atacado nos festivais de música de Verão entre Junho e Agosto deste ano.

O que aconteceu então enquanto os inspectores estavam no NOS Alive, em Algês, no Super Bock Super Rock, em Lisboa, no Meo Sudoeste, na Zambujeira do Mar, no Sol da Caparica e no festival do Crato? A ASAE, que forneceu os dados ao PÚBLICO, diz que foram apenas identificados menores em Campo Maior, Portalegre, Arronches, Monforte, Elvas e Vilamoura, o que resultou à instauração de seis processos de contra-ordenação. Não adiantou, porém, quantos menores foram identificados nessas localidades.

Os inspectores da ASAE não têm dúvidas de que os números demonstram a falta de meios daquela entidade para fiscalizar a nova lei que restringe o consumo de qualquer tipo de álcool a menores de 18 anos. “Esse número é ridículo e residual. A ASAE tem 239 inspectores que já eram poucos para a fiscalização das áreas que já tinha de fiscalizar anteriormente. Não há gente para controlar o cumprimento dessa lei. E o que fizeram foram operações montadas para a comunicação social. Porque sabiam que os jornalistas iam estar atentos, pelo menos aos festivais. Ao mesmo tempo foram descuradas as zonas de animação nocturna de Lisboa e Porto e o resto do país. Não há inspectores para fiscalizar a nova lei. A ASAE não tem, aliás, inspectores suficientes para cumprir a sua missão. Está moribunda”, alerta o presidente da Associação Sindical dos Funcionários da ASAE (ASF-ASAE), António Albuquerque.

Para aquela associação sindical, a ASAE teria de ter “pelo menos o dobro dos inspectores que tem actualmente e mesmo assim estaria no limite mínimo”, salienta ainda António Albuquerque.

Entre o início do ano e a entrada em vigor da nova lei, em Junho, a ASAE identificou 33 menores. Estes dados não permitem, porém, um contexto que possibilite um balanço quanto aos efeitos da legislação recente relativamente aos menores identificados desde 2013, quando a lei anterior já proibia o consumo de bebidas espirituosas deixando apenas a excepção para a cerveja e o vinho. Se por um lado, o aumento no período posterior ocorre nos festivais de Verão, relativamente a operações de fiscalização direccionadas pela ASAE, por outro a entidade não forneceu ao PÚBLICO o número de menores identificados em anos anteriores, apesar das várias solicitações que recebeu nesse sentido durante mais de um mês. “Não é possível responder relativamente ao número de menores identificados em 2013 e 2014”, justificou, por fim, a ASAE.

A resposta, porém, surpreende os próprios inspectores da ASAE. “Na ASAE actualmente está tudo informatizado a nível central. Todas as fiscalizações e resultados operacionais são de imediato inseridos no sistema. Isso parece-me estranho”, refere António Albuquerque que acusa a ASAE de estar a “ocultar dados” para não revelar “resultados que seriam residuais e demonstrariam a actual ineficácia” da entidade.

O inspector-geral da ASAE, Pedro Portugal Gaspar, não esteve disponível para prestar esclarecimentos, apesar de ter sido questionado por email, através do gabinete de comunicação da instituição, e contactado entretanto por telefone. “Esse silêncio parece-me ser esclarecedor. Não querem admitir a falta de meios”, critica António Albuquerque.

Quanto a anos anteriores, a ASAE deu conta de que em 2013 se registaram 326 infracções que corresponderam 980 processos enquanto no ano passado foram 369 as infracções e 1017 os processos instaurados “destacando-se como principais infracções a falta de afixação de aviso de forma visível com a menção da referida proibição e a falta de cumprimento dos requisitos relativos aos aviso no que se refere especificamente à infracção de facultar, vender ou colocar à disposição, em locais públicos bebidas alcoólicas a menores”. Já em 2015, a ASAE registou 161 infracções e instaurou 593 processos neste contexto.

O presidente do Serviço de Intervenção nos Comportamentos Aditivos e nas Dependências (SICAD), João Goulão, destaca a importância da nova lei do álcool. “A lei anterior [de 2013] criava uma diferença entre o álcool bom e o álcool mau. Esta é mais benéfica porque restringe o consumo de todo o tipo de álcool aos menores. É uma questão de saúde pública por que o organismo dos menores está ainda desenvolver-se. Está provado cientificamente que quanto mais tarde se consumir álcool menos provável é a possibilidade de ser criada uma dependência”, esclarece o responsável.

Foi precisamente face à constatação de que a lei anterior não estava a ter o efeito pretendido que o Governo decidiu alterar a legislação.

“Constata-se, no que diz respeito ao consumo e venda de bebidas alcoólicas a menores em locais públicos, que continuam a existir elevados níveis de comportamentos de risco e de excesso de consumo, com consequências nefastas para a população mais jovem. Com efeito, verifica -se que não ocorreram alterações relevantes no padrão de consumo de bebidas alcoólicas, por parte dos jovens, no ano subsequente à entrada em vigor das mencionadas alterações legislativas, seja a nível do tipo de bebidas ingeridas, seja a nível de consumos nocivos. No consumo recente, destacam-se as bebidas espirituosas e a cerveja, com a tendência de manter a frequência dos consumos, incluindo de bebidas espirituosas entre os menores de 18 anos, sendo que foram os jovens de 16 anos, em particular, os que mais mencionaram um aumento da facilidade de acesso a bebidas alcoólicas, com qualquer graduação de álcool”, alerta o preâmbulo da nova lei remetendo para um estudo levado do SICAD.

A nova lei prevê coimas entre os 500 e os 30 mil euros para quem venda bebidas alcoólicas a menores. Mas no caso destes, a aposta passa pela sensibilização. “É uma questão simbólica e a aposta é na sensibilização e no envolvimento e responsabilização dos pais que agora já podem dizer aos filhos que não podem beber porque é proibido por lei”, diz João Goulão. Quando um menor é identificado os pais, ou o representante legal, são notificados pelas autoridades. A PSP e GNR também fiscalizam estas situações, mas a ASAE é a entidade responsável por instruir todos os processos. Em último caso, as autoridades podem também notificar os núcleos de apoio a crianças e jovens em risco nos centros de saúde ou hospitais, nos casos de reincidência ou quando seja impossível contactar os pais. A lei prevê também que em última linha possam actuar as comissões de protecção de crianças e jovens e o Ministério Público.

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