Passos e Portas não repetirão Governo

Se PSD-CDS ganharem com maioria relativa, muito provavelmente terão a maioria da AR contra si.

O presente artigo tem como objectivo demonstrar, do ponto de vista jurídico-constitucional, esta afirmação:

- A Coligação PSD e CDS não será chamada a formar Governo (minoritário), ainda que porventura ganhasse as eleições legislativas por maioria relativa [1].

A Coligação “Portugal à frente” só teria condições para repetir a formação de Governo nos mesmos moldes do anterior, se ganhasse com maioria absoluta [2].

 

Frequentemente, diz-se: “Quem ganhar as eleições, será Primeiro-Ministro”.

Será assim?

A frase é incorrecta — é um erro pensar assim.

Desde logo, o Governo não é “eleito”, mas sim nomeado pelo Presidente da República (PR). As eleições servem para eleger Deputados à Assembleia da República (AR).

Não existem “candidatos a Primeiro-Ministro”, do ponto de vista jurídico-constitucional [3].

Desde logo, não há um círculo eleitoral nacional criado por lei. Os Deputados são eleitos por círculos eleitorais[4]. Cada eleitor vota num círculo eleitoral em que se encontra recenseado.

As eleições legislativas servem o objectivo de eleger Deputados.

As fases de formação do Governo

1. A primeira fase é a da “nomeação” (e não “eleição”) do Primeiro-Ministro (artigo 187.º, n.º 1), por parte do PR.

Para tal, o PR tem: i) de ouvir “os partidos representados na” AR; ii) e de ter “em conta os resultados eleitorais” (artigo 187.º, n.º 1, da Constituição) [5].

Isto indica que, salvo casos excepcionais, o Governo é uma emanação da AR [6].

Porém, diferentemente do que se possa pensar, o PR não se encontra juridicamente obrigado a nomear para Primeiro-Ministro o chefe do partido ou da lista mais votada [7]-[8].

Com efeito, o aludido artigo 187.º, n.º 1, não inculca que haja um dever de nomeação do Chefe do Partido mais votado [9].

Aliás, no caso de haver uma maioria parlamentar pouco sedimentada (quando não haja maioria absoluta de partido ou de lista), ou seja, uma dispersão de votos, a margem de escolha do PR torna-se exponencialmente lata [10].

O poder de nomeação do Primeiro-Ministro não está necessariamente transformado num acto de homologação dos resultados eleitorais: depende desses resultados, expressão, por seu turno, da conjuntura política [11].

1.1. Os restantes membros do Governo são propostos pelo PM e nomeados pelo PR.

Após este passo, ocorre a tomada de posse dos membros do Governo (art.º 186.º, números 1 e 2, da Constituição).

O Governo inicia funções; e os anteriores titulares são exonerados do cargo [12].

1.2. No entanto, o Governo nascente tem um estatuto debilitado: trata-se de um “Governo de gestão” (v. art. 186.º, n.º 5, da Constituição: “Antes da apreciação do seu programa pela Assembleia da República, (…) o Governo limitar-se-á à prática dos actos estritamente necessários para assegurar a gestão dos negócios públicos”).

O “passaporte” [13] para que o Governo aceda à plenitude de funções é dado através da AR.

3. Existem três cenários que podem ocorrer, aquando da “Apreciação do programa do Governo” (art. 192.º da Constituição).

3.1. Note-se que o programa de Governo terá de ser apreciado pela AR (art. 192.º), mas não votado.

Portanto, a primeira possibilidade é a de haver uma mera apreciação do Programa de Governo [14]-[15]

Conforme foi frisado nos trabalhos preparatórios da Constituição de 1976, “o Governo não precisa de ter o apoio da maioria da Assembleia” [16] (uma confiança “positiva”) - “Exige-se, sim, que não tenha contra ele” essa maioria [17].

3.2. Num 2.º cenário, poderá ser proposta uma moção de rejeição por parte de um grupo parlamentar (art.º 192.º, n.º 3, 2.ª parte, 180.º, n.º 2, alínea h)), embora careça de maioria qualificada de 116 Deputados como requisito de aprovação (art.º 192.º, n.º 4).

Se essa moção de rejeição for aprovada, o Governo é automaticamente demitido (art. 195.º, n.º 1, alínea d)) [18].

Portanto, como bem disse o Professor MARCELO REBELO DE SOUSA no seu comentário semanal, para que PSD e CDS voltem a formar Governo, é necessário que tornem a ganhar as eleições por maioria absoluta dos Deputados (isto é, por 116 ou mais Deputados); o que é um cenário muito pouco provável, na actual conjuntura política [19].

De outro modo, se PSD-CDS ganharem com maioria relativa, muito provavelmente terão a maioria da AR contra si (excepto o PDR); e, aqui, ou o PR arrisca a nomeação e que o Governo “não passe” na AR; ou o PR opta por outra solução governativa.

Se, como tudo indica, o chefe do Partido a nomear como Primeiro-Ministro for o líder do PS, tal solução pode passar por uma Coligação, à Esquerda (v. g., PCP ou outros Partidos, que garantam a maioria de 116 Deputados); ou porventura à Direita.

Porém, na eventualidade de uma Coligação [20] com o PS à Direita, tal verosimilmente será apenas com os Grupos parlamentares do PSD [21] ou do CDS (ou, eventualmente, do PDR).

 

4. Em conclusão, toda esta “engenharia constitucional” isto explica a afirmação do presente artigo: com os dados politológicos de que se dispõe actualmente (designadamente sondagens), o actual Governo (PSD-CDS) não repetirá a formação de um novo Governo [22], mesmo que porventura ganhasse as eleições.

A lógica do vencedor com maioria relativa não funciona, pois, sempre inexoravelmente (sem prejuízo da possibilidade que a CRP dá de poder haver Governos minoritários).

Porém, neste caso, o cenário contrário, de ascensão do chefe do 2.º Partido mais votado, bem pode perfeitamente suceder o cenário contrário de o ganhador vencer tudo; como está expresso na excelente música dos Abba:

 

The winner takes it all

The loser has to fall.

It’s simple and it’s plain

Why should I complain?

 

The winner takes it all

The standing small”.

And I’ve played all my cards / (…)

No mores aces to play.

 

Ora, na verdade isso sucede apenas em casos de maioria absoluta de um Partido ou de Coligação; e no caso dos sistemas eleitorais de representação maioritária, como o britânico, nos círculos eleitorais uninominais, em que o candidato mais votado é eleito, ainda que por uma percentagem mínima; ou com círculos eleitorais plurinominais, em que a lista mais votada vence (caso do 1.º grau das eleições norte-americanas para Presidente da União).

Ora, se o resultado da vitória for tangencial, a AR pode ser maioritariamente adversa ao Programa de Governo apresentado.

Pelas razões expostas, quem afirmar que PSD e CDS formarão Governo, caso ganhem as eleições com maioria (relativa), incorre num erro de Direito, uma vez que desconhece o mecanismo constitucional de formação do Governo; bem como o instituto da responsabilidade política do Governo perante a AR.

 

Nota – Imagine-se o exemplo contrário, em que PSD e CDS concorriam separados, mas tinham um acordo pré-eleitoral.

Imagine-se agora que o PS ganhava as eleições, com 100 Deputados; seguido do PSD, com 99 e do CDS, com 20.

Com 119 Deputados somados (99+20), PSD ou CDS poderiam apresentar uma moção de rejeição do Programa de Governo. A moção, ao ser aprovada por maioria absoluta dos Deputados em efectividade de funções (= 116), implicaria a demissão imediata do Governo do PS à nascença (artigo 195.º, n.º 1, alínea d), da Constituição).

 

[1] Mesmo que fosse chamada a formar Governo pelo Presidente da República, tal Governo minoritário seria com elevada probabilidade demitido, aquando da apreciação do Programa do Governo, por ter o resto da AR contra.

Com efeito, dos Partidos que se apresentam a eleições, só o Partido Democrático Republicano, pela voz de ANTÓNIO MARINHO E PINTO, admitiu coligar-se com o PSD e PSD-CDS.

[2] Isso mesmo foi dito pelo Professor MARCELO REBELO DE SOUSA, em comentário na TVI em 2015.

[3] Voltaremos a este ponto.

[4] Artigo 149.º, n.º (= número) 1, 1.ª parte, da Constituição da República Portuguesa (CRP).

[5] Antes do acto de nomeação do PM propriamente dito, há na prática constitucional uma “indigitação”, por parte do PR, de um nome, que tenciona nomear como Primeiro-Ministro; de modo a dar mais tempo para a escolha dos restantes Ministros (trata-se de um poder partilhado: o PM propõe; o PR nomeia – artigo 187.º, n.º 2); e para a submissão do Programa de Governo à AR (tal é feito “através de uma declaração do” PM”, “no prazo máximo de dez dias após a sua nomeação” (artigo 192.º, n.º 1).

[6] A directriz constitucional de o PR tomar em conta os resultados eleitorais e o dever de audição dos partidos com representação parlamentar (art.º 187.º, n.º 1) aponta no sentido de o Governo dever ser encontrado no quadro do sistema partidário e parlamentar, procurando corresponder à composição política da AR (cfr. GOMES CANOTILHO / VITAL MOREIRA, Constituição da República Portuguesa. Anotada, 4.ª ed., II Volume, Coimbra Editora, 2010, anot. (= anotação) ao art.º 187.º, II, pg. 434, anot. ao art.º 133.º, XI, pg. 184; anot. ao art.º 182.º, III, pg. 412); na feliz expressão de JORGE MIRANDA, trata-se de “um poder balizado pelos resultados das eleições” (in Artigo 133.º, IX, in Constituição Portuguesa Anotada, tomo II, JORGE MIRANDA / RUI MEDEIROS, Coimbra Editora, 2007, pgs. 382- 383).

[7] É certo que, nos casos em que haja uma maioria absoluta de um Partido ou de uma lista, o PR carece, na prática de margem de manobra.

No entanto, não há casos de nomeação obrigatória do chefe do Partido mais votado por parte do PR, mesmo havendo maioria absoluta.

O que pode suceder é que o PR entre em conflito com o ou os Partidos ganhadores das eleições.

Ora, o PR não pode dissolver a AR nos primeiros seis meses posteriores à sua eleição (artigo 172.º, n.º 1, 1.ª parte, da Constituição).

[8] Do ponto de vista da Constituição-norma, a eleição legislativa concerne a Deputados para a Assembleia da República (v. artigos 147.º, 151.º, n.º 1; art. 149.º), inexistindo no plano da Constituição a figura dos “candidatos a Primeiro-Ministro” (que, não obstante, tem sido usada desde 1985 pelos partidos centrais).

Jurídico-formalmente, a legitimidade democrática de que o Governo goza não é directa, mas meramente indirecta - uma vez que é nomeado pelo PR e o seu programa é apreciado pela AR, sendo estes dois órgãos dotados de legitimidade democrática directa (como é reconhecido na Doutrina - SÉRVULO CORREIA, Legalidade e autonomia contratual nos contratos administrativos, diss., Almedina, Coimbra, 1987, pg. 214; PAULO OTERO, Conceito e fundamento da hierarquia administrativa, diss., Coimbra, 1992, pg. 335).

Julga-se que a divergência entre Constituição-norma e a alguma prática institucional, de os eleitores votarem na figura inexistente do “candidato a Primeiro-Ministro” (isto é, a “progressiva modificação da legitimidade democrática indirecta [do Governo] de natureza parlamentar para uma legitimidade democrática directa, decorrente da natureza plebiscitária das eleições parlamentares” - PAULO OTERO, Conceito e fundamento da hierarquia administrativa, pg. 356) não é inelutável e nem sempre se afigura possível:

Em primeiro lugar, não existe um bipartidarismo perfeito; o sistema de representação proporcional permite, aliás, a distribuição dos mandatos por partidos que não os que têm mais percentagem de votos (um eleitor pode mesmo votar num partido que, face às sondagens ou previsões, não tenha qualquer possibilidade de eleger um Deputado).

Não se ignora, porém, que o motivo principalmente determinante do voto de muitos eleitores seja essa escolha, e não a fidelidade ou a simpatia partidária (diversamente, JORGE MIRANDA, Artigo 187.º, VI, in Constituição Portuguesa Anotada, tomo II, pg. 650): as eleições parlamentares são inequivocamente influenciadas pelos programas de governo e pela personalidade dos presumíveis candidatos a Primeiro-Ministro (GOMES CANOTILHO / VITAL MOREIRA, Constituição..., II, 4.ª ed., anot. ao art.º 187.º, II, pg. 434). O que se pretende inculcar é que essa influência não é única. O voto do eleitor não tem necessariamente a intenção do passo seguinte, o da escolha do Governo.

Exclui-se que a apresentação de “candidatos a Primeiro-Ministro” se trate de um costume “contra constitutionem” (em sentido contrário, GOMES CANOTILHO, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 7.ª ed., Almedina, Coimbra, 2003, pg. 1135); julga-se que está em causa bem mais objectivamente uma linguagem política retórica incorrecta, senão mesmo um erro sobre o Direito, que nem mesmo espelha correctamente a primeira fase de formação do Governo.

Esse erro foi propagado pelos dois principais Partidos políticos, nos discursos que fazem ao Eleitorado (e chancelado, recentemente, nas eleições primárias do PS para “candidatos a Primeiro-Ministro”, cargo esse que, do ponto de vista jurídico-constitucionalmente, não é eleito, mas sim nomeado pelo PR).

[9] Não existe um dever jurídico de o PR nomear o chefe (ou um dirigente) do partido mais votado (rectius, que alcance maior número de Deputados, apenas relevando a maior percentagem de votos a nível nacional, na hipótese académica de empate entre os dois Partidos mais votados) (cfr. GOMES CANOTILHO / VITAL MOREIRA, Constituição..., II, 4.ª ed., anot. ao art.º 187.º, III, pg. 434; IDEM, Os poderes do Presidente da República, Coimbra Editora, pg. 48; JORGE REIS NOVAIS, Semipresidencialismo, Volume I, Teoria do sistema de governo semipresidencial, Almedina, Coimbra, 2007, pg. 175; PAULO OTERO, Conceito e fundamento da hierarquia administrativa, pg. 347; ANTÓNIO VITORINO, O sistema de governo na Constituição portuguesa de 1976 e na Constituição espanhola de 1978, in Revista jurídica, AAFDL, n.º 3, Janeiro–Fevereiro de 1984, pg. 61 (pp. 33 e ss.); IDEM, Moção, in Dicionário Jurídico da Administração Pública, Vol. VI, Lisboa, 1994, pg. 25 (nota 61) (pp. 7 ss.).

[10] Como é unanimemente reconhecido pela Doutrina - GOMES CANOTILHO / VITAL MOREIRA, Constituição..., II, 4.ª ed., anot. ao art.º 187.º, II, pg. 434; JORGE BACELAR GOUVEIA, Manual de Direito Constitucional, II, 1.ª ed., Almedina, Coimbra, 2005, pg. 1160; JORGE MIRANDA, Artigo 133.º, IX, in Constituição Portuguesa Anotada, tomo II, pg. 383; IDEM, Artigo 187.º, II, in Constituição Portuguesa Anotada, tomo II, pg. 649; JORGE REIS NOVAIS, Semipresidencialismo, I, 1.ª ed., pg. 175; PAULO OTERO; ANDRÉ GONÇALVES PEREIRA, Direito Público comparado. O sistema de governo semi-presidencial, AAFDL, Lisboa, 1984, pg. 63; ANTÓNIO VITORINO, O sistema de governo..., pg. 61).

[11] Diversamente, PAULO OTERO, As instituições políticas e a emergência de uma “Constituição não oficial”, in Anuário Português de Direito Constitucional, vol. II / 2002, pg. 96.

O facto de, até hoje, o chefe do segundo Partido mais votado não ter sido chamado a formar Governo não exclui essa possibilidade, que existe, na teoria e, eventualmente, na prática institucional.

Tal pode suceder no início da legislatura ou, porventura, a meio da legislatura, em caso de demissão do Governo.

Por exemplo, em 1987, o Governo minoritário chefiado por CAVACO SILVA foi derrubado, através da aprovação de uma moção de censura.

O PR da altura, MÁRIO SOARES, tinha a opção de dissolver a AR (caminho que veio a tomar); ou em alternativa, de nomear como Primeiro-Ministro VÍTOR CONSTÂNCIO (PS), em coligação com o Partido Renovador Democrático.

[12] Sobre as diferenças entre exoneração e nomeação, JORGE MIRANDA, Sessão n.º 117, em 11 de Março de 1976, in Diários da Assembleia Constituinte. 2 de Junho de 1975 a 2 de Abril de 1976, volume IV, Assembleia da República, Lisboa, 1995 (original: Diário da Assembleia Constituinte, 1975), pg. 3914.

Porém, em virtude do artigo 195.º, n.º 1, alínea a), após as eleições, iniciada uma “nova legislatura”, o Governo é sempre demitido (artigo 195.º, n.º 1, alínea a), da Constituição).

Isto sucede, ainda que os titulares (PM e restantes Ministros) sejam exactamente os mesmos.

Portanto, o que sucede é que os membros do Governo, entretanto demitido automaticamente, se mantêm em funções, em nome do princípio da continuidade dos serviços públicos; até que os novos membros tomem posse.

[13] Para utilizar a expressão do Professor PAULO OTERO.

[14] “[O] Governo só entra em plenitude de funções após a intervenção parlamentar, nem que esta se consubstancie num mero silêncio” (PAULO OTERO, Conceito e fundamento da hierarquia administrativa, pg. 348), ou seja, essa intervenção bastar-se com um mero debate sobre o programa do Governo, não apresentando a Oposição nenhuma moção de rejeição, nem solicitando o Governo um voto de confiança.

[15] Com isto se comprova que, apesar de o Governo ter de apresentar o seu Programa perante a AR, não há aprovação de tal Programa (que, aliás, em rigor, juridicamente não existe – neste sentido, o programa do Governo não é nunca votado e, portanto, nunca é aprovado pela AR; em rigor, nunca pode falar-se em “programa aprovado pela AR” (GOMES CANOTILHO / VITAL MOREIRA, Constituição..., II, 4.ª ed., anot. ao art.º 192.º, V, pg. 452; JOSÉ MAGALHÃES, Acta n.º 40, Reunião de 6 de Julho de 1988, da Comissão Eventual para a Revisão Constitucional, in Diário da Assembleia da República, V legislatura, 1.ª sessão legislativa (1987-1988), 2.ª série – n.º 55-RC, pg. 1315), nem sequer de um “visto”, mas apenas de uma espécie de deferimento tácito, por parte da AR.

Na altura, a outra proposta apresentada pelo PPD na 5.ª Comissão da Assembleia Constituinte, que viria a ser rejeitada, exigia para a formação do Governo a aprovação do respectivo programa por parte da AR (sem prejuízo de ter transigido, a certa altura).

Como Deputado constituinte, preso a conceitos teóricos do sistema parlamentar, JORGE MIRANDA manifestou-se frontalmente contra a solução da não aprovação do Programa de Governo (JORGE MIRANDA, Sessão n.º 117, em 11 de Março de 1976, in Diários da Assembleia Constituinte, IV, pgs. 3917, 3918; v. também, sobretudo, Sessão n.º 127, em 29 de Março de 1976, in Diários da Assembleia Constituinte, IV, pgs. 4243-4244, 4247).

Um Projecto de Revisão Constitucional, no sentido de a AR aprovar expressamente o programa de Governo, viria a ser apresentado pelo CDS, na Revisão constitucional de 1989. Tal inculcava uma investidura parlamentar expressa, própria dos sistemas parlamentares; eliminando o n.º 4 do art.º 192.º, na redacção actual (projectos apresentados pelo CDS e pelo PCP, nessa revisão). Criticando a “viabilização artificial de executivos”, cfr. JOSÉ MAGALHÃES, Acta n.º 44, Reunião de 13 de Julho de 1988, da Comissão Eventual para a Revisão Constitucional, in Diário da Assembleia da República, V legislatura, 1.ª sessão legislativa (1987-1988), 2.ª série – n.º 46-RC, pgs. 1439, 1440-1441, 1442, 1442.

Tal Projecto comportaria uma alteração muito significativa da matriz originária da Constituição, em matéria do sistema de governo (ANTÓNIO VITORINO, Acta n.º 44, Reunião de 13 de Julho de 1988, da Comissão Eventual para a Revisão Constitucional, in Diário da Assembleia da República, V legislatura, 1.ª sessão legislativa (1987-1988), 2.ª série – n.º 46-RC, pgs. 1438, 1443).

No sentido de a aprovação do Programa de Governo não suceder, assinalando as virtudes desta solução “conciliar a democracia com a estabilidade governativa”, JOSÉ LUÍS NUNES, Sessão n.º 127, em 29 de Março de 1976, in Diários da Assembleia Constituinte, IV, pg. 4251.

A necessidade de audição de um órgão pelo PR e a não investidura significariam que não se trataria “um regime parlamentar em sentido estrito” (VITAL MOREIRA, Sessão n.º 127, em 29 de Março de 1976, in Diários da Assembleia Constituinte, IV, pg. 4248) (diversamente do sistema de governo espanhol – cfr. EDUARDO VÍRGALA FORURIA, La moción de censura en la Constitución de 1978 (y de la História del parlamentarismo español), Centro de Estudios Constitucionales, Madrid, 1988), mas, a nosso ver, de um sistema semipresidencial (esta conclusão é, de resto, maioritária na Doutrina portuguesa, após a Revisão constitucional de 1982).

[16] VITAL MOREIRA, Sessão n.º 117, em 11 de Março de 1976, in Diários da Assembleia Constituinte, IV, pg. 3918.

[17] VITAL MOREIRA, Sessão n.º 127, em 29 de Março de 1976, in Diários da Assembleia Constituinte, IV, pg. 4248; GOMES CANOTILHO / VITAL MOREIRA, Constituição..., II, 4.ª ed., anot. ao art. 182.º, III, pg. 413, e anot. ao art.º 147.º, V, pg. 216.

[18] Há ainda um terceiro cenário, que é o de o da solicitação de um voto confiança por parte do Governo (art.º 192.º, n.º 3, “in fine”) (sobre as razões de tal pedido, cfr. JORGE MIRANDA, Artigo 193.º, I, in Constituição Portuguesa Anotada, tomo II, pg. 665; ANTÓNIO VITORINO, Moção, in Dicionário Jurídico da Administração Pública, VI, pg. 27).

A regra geral da maioria relativa (art.º 116.º, n.º 3: mais votos a favor do que contra, descontadas as abstenções) é aqui aplicável à maioria de aprovação, e não a maioria qualificada do art.º 192.º, n.º 4, que é exigida para o 3.º cenário.

[19] Cfr. “Marcelo salientou que "as sondagens dão todas uma grande aproximação entre o PS de um lado e coligação [PSD/CDS-PP] do outro" e questionou que alguma dessas forças consiga maioria no parlamento. "Isso significa, por um lado, um Governo minoritário, cujo programa para passar vai ser uma dificuldade.” (notícia “Próximo PR terá de fazer pontes em ciclo de provável instabilidade, diz Marcelo”, in Público, 24 de Junho de 2015).

“O ex-líder social-democrata entende, por isso, que os partidos devem tentar obter uma maioria absoluta, e deixa o conselho para que a peçam aos portugueses: "Não tenham vergonha de pedir maioria absoluta, e expliquem porque é que querem maioria absoluta. Se isso não der, que se preparem os dirigentes partidários" para futuros entendimentos.” (notícia “Marcelo teme que governo minoritário traga "instabilidade política"”, 24 de Junho de 2015).

[20] Ou acordo de incidência parlamentar.

[21] Cenário esse que foi rejeitado por ANTÓNIO COSTA com o PSD, chefiado por PEDRO PASSOS COELHO, no debate televisivo de 9 de Setembro de 2015.

[22] O próprio Primeiro-Ministro já afirmou publicamente que o PSD não manteria o número de Deputados de que dispõe actualmente.

Ainda que, porventura, o Governo do PSD-CDS “passasse” no teste da Apreciação do programa de Governo, a qualquer momento (por iniciativa de um quarto dos Deputados em efectividade de funções (48) ou de qualquer grupo parlamentar), a AR poderia demitir o Governo, mediante aprovação de uma moção de censura, por maioria absoluta dos Deputados em efectividade de funções (artigo 195.º, n.º 1, alínea f), da Constituição); ou não viabilizar a Lei do Orçamento Geral do Estado – instrumento fundamental para a prossecução da política governativa -, que será feito acto contínuo à entrada em plenitude de funções do XX Governo constitucional (como bem lembrou MARCELO REBELO DE SOUSA, em comentário televisivo de 20 de Setembro, na TVI).

 

Sugerir correcção
Ler 1 comentários