Årsgång: o folclore sueco chegou à Wii U

Depois do iOS e do PC, Year Walk chega finalmente à Wii U, uma versão que disponibiliza um segundo ecrã à experiência e que tem o seu maior problema em ocasionais problemas de precisão.

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Ver o futuro, aí está o plano presente de muitos. Fascínio prodigioso saber o que vem a medo e ânsia do que poderá chegar, é algo intrínseco e transversal a uma boa falange da condição humana há longos, longos anos. Year Walk é um jogo sobre essa procura, ou melhor sobre uma tradição do folclore sueco que terá perdurado até ao início do século XX em alguns locais rurais: Årsgång. Para contextualizar o jogador, a obra da Simogo inclui uma enciclopédia escrita por Theodor Almsten, autor de três livros sobre o folclore escandinavo.

Em certas noites do ano, como nas vésperas de Natal e de Ano Novo, os participantes não podiam comer nem beber nada e tinham que evitar outras pessoas, o que poderia levar ao isolamento em divisões escuras onde não podiam ver fogo durante todo o dia, ou seja, não se podiam aquecer. À meia-noite saiam e aventuravam-se até chegarem a uma igreja/cemitério, que circundavam segundo um padrão. Depois de ultrapassados todos os testes, o year walker conseguiria um vislumbre do futuro.

É o próprio Almsten a afirmar que existem várias versões da tradição, porém a narrativa de Year Walk permite ao jogador passar por vários dos pontos reconhecidos comuns a todas. Neste caso, o protagonista aventura-se pela floresta à procura de conhecer os destinos de uma relação, arriscando a vida numa prova de amor.

É um enredo que se afasta bastante dos clichés de tantos videojogos, o que resulta na captura da atenção do jogador, levando muitos a passarem mais alguns minutos depois dos primeiros créditos rolarem à procura do verdadeiro final, aquele que ajuda a aparar algumas pontas soltas sem retirar o alimento à boca de algumas conspirações.

Na sua essência, a mecânica que alimenta a jogabilidade de tudo isto é um engenhoso 2D visto na primeira pessoa e de deslocação horizontal como se o cenário passasse à frente do jogador em carrossel, ou seja, não podem andar livremente a explorar a floresta, uma vez que Year Walk coloca-vos exactamente onde quer. A troca de planos, seja para o próximo ou para o anterior, é feita com setas apontadas a norte e a sul, respectivamente.

Pode parecer um conjunto de movimentos limitado, contudo ao longo das duas horas de jogo vão passar por quase duas dezenas de cenários, para trás e para a frente as vezes necessárias para recolherem informação necessária para decifrar os puzzles, algo que não se torna repetitivo nem acusa um backtracking escusado porque cada área é pequena e o design consegue que haja um ritmo na exploração dos cenários e não seja apenas mais uma tarefa.

Year Walk presta-se ao terror instigado no jogador de uma forma inteligente, sem resvalar quase nunca para o susto fácil. Basta uma ou duas situações mais gratuitas para colocar quem joga em alerta máximo, lembrando-o do que está a jogar e espoletando mentalmente o que não está lá mas que poderia estar. É uma obra que tem tanto de curta como de intensa, enigmaticamente rejubilando o tumulto.

O verdadeiro teste é feito com puzzles que variam entre o “sei exactamente o que fazer” e o “acho que já vi algo relacionado com isto”. É nestas resoluções que começa a troca quase mecânica de planos, seja para encontrar quatro criaturas que deixaram um rasto de sangue, seja para aprender as indicações dadas pelos braços de uma boneca de madeira e que têm de ser replicadas na ordem dada ao canto de duas corujas na segunda parte do puzzle. Se prestarem atenção ao que estão a jogar dificilmente ficarão sem saber o que têm que fazer — podem demorar alguns minutos a chegar à ponta do fio mas fica a clara sensação que Year Walk não quer quebrar o jogador com a sua complexidade lógica.

Aliás, alguns puzzles recorrem apenas ao seguimento ou reconhecimento da voz, provando que não são mecânicas que precisam de assoberbar para serem eficazes. A toada é quase sempre a mescla de subtileza com mistério, o que dá um tom próprio à obra, como acontece com todas as obras publicadas pela Simogo.

Year Walk foi originalmente publicado nos dispositivos iOS, posteriormente adaptado ao PC e agora disponibilizado na Nintendo Wii U, com as grandes questões a serem como é que o sistema de controlos se adaptaria ao GamePad e que partido seria retirado do segundo ecrã. A segunda parte foi mais bem conseguida do que a primeira, pois o recurso ao giroscópio do comando para interagir com o cenário, apesar de ser maioritariamente eficaz, proporciona momentos de aguda frustração quando falha.

O segundo ecrã é uma adição bastante útil. Além de podermos consultar a já mencionada enciclopédia, temos acesso facilitado ao mapa do jogo, às pistas oferecidas aos que necessitarem de ajuda, e a um bloco de notas onde podemos escrever com a Stylus. Ainda que pareça supérfluo, o bloco de notas digital é bastante útil para irmos anotando alguns procedimentos fulcrais à solução de certos inimigos, como o caso das orientações dadas pela boneca já mencionada.

Toda a componente técnica do jogo foi colocada ao serviço da atmosfera, praticamente uma obsessão que tem resultados práticos memoráveis: de uma ponta à outra, Year Walk exulta aquilo que mal pode esperar por mostrar ao jogador, colocando no nosso caminho personagens de desenho impactante, como Skogsrået, Bäckahästen, os Mylingen, ou Kyrkogrimen que, segundo Almsten, era chamado quando alguém conseguia ver o futuro.

A estética é impressionante e a versão Wii U não é de forma alguma inferior às pretéritas, ou seja, estamos perante cenários frios, desconfortáveis, macabros — como o rio que se transforma em sangue. O mesmo é partilhado pelo campo sonoro, esforço unido ao visual para captar a atenção do jogador ao pormenor, à música de Daniel Olsén que nunca se excede e adensa o manto misterioso.

Não justifica comprar esta nova versão de Year Walk caso já tenham investido dinheiro nas duas anteriores. Todavia, caso ainda não tenham experimentado o folclore sueco, a edição Wii U (trabalhada pela Dakko Dakko) está à altura de vos desafiar os sentidos. Ainda que os controlos ocasionalmente não ofereçam o refinamento necessário, o ecrã do GamePad é uma ferramenta que ajuda a tarefa sem descaracterizar a obra como um todo. 

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