Refugiados, um teste à reputação de Portugal

Há poucas áreas em que Portugal seja uma referência a nível europeu. Mas a da segurança e humanismo nas fronteiras é uma delas.

A sociedade europeia vive hoje um tempo de fronteira entre duas eras. Depois da crise económica que veio lançar por terra a ilusão de um futuro cada vez mais brilhante, a vaga migratória de 2015 veio exibir as fragilidades da União Europeia.

Há que distinguir o universo humano desta migração: por um lado, refugiados que procuram proteção dos conflitos nos seus países de origem; e, por outro, os que buscam uma melhor vida no “El Dorado” europeu. A diferença não serve apenas propósitos legais, nem visa escamotear uma realidade que é difusa pela difícil perceção, em muitos casos, da linha que separa as duas circunstâncias. Deve, sim, garantir que as regras universalmente estabelecidas são cumpridas. Só há Estado de Direito democrático quando as regras são integralmente cumpridas.

Assiste-se, no entanto, a um total desrespeito no que respeita à aplicação das regras previstas nos tratados europeus, seja pelos países que fazem tábua rasa das mais básicas regras humanistas que compõem o espírito europeu, seja pelos que, movidos por uma vontade coletiva de garantir ajuda, acabam por inviabilizar soluções práticas para o problema. Nem os muros são aceitáveis, nem um apoio humanitário inconsequente resolve o problema de milhares de crianças, mulheres e homens.

Muitos europeus, incluindo portugueses, apontam consequências graves para este movimento migratório ao nível económico, cultural, religioso e securitário. São receios infundados e apenas revelam, em muitos casos, uma deriva xenófoba totalmente anti-europeia. A Europa é justamente fruto de povos diferentes, com diferentes origens e culturas e que a História foi alegremente distribuído, nem sempre a bem, pelo espaço que vai dos Urais ao Atlântico.

Se tomarmos o nosso “cantinho” peninsular, vejam-se as migrações que formaram Portugal: iberos, celtas, gregos, fenícios, romanos, visigodos, suevos, árabes e berberes, africanos, indianos, latino-americanos e, mais recentemente, eslavos, chineses, entre muitos outros. O nosso ADN é este.

Se os números dos que batem à porta da Europa são, de facto, perturbadores, de uma grandiosidade pouco vista, lembremo-nos que há 40 anos, em período de descolonização, a população portuguesa aumentou 10 por cento de um ano para o outro. Se nem tudo foi fácil na integração desses milhares de cidadãos, os seus benefícios foram imensos a todos os níveis. E a sociedade portuguesa não perdeu a sua identidade, pelo contrário, reforçou-a.

Isto dito, e como também é verdade que em vagas migratórias é expectável encontrar núcleos terroristas e criminosos de relevo, é necessário atuar em três frentes bem claras e distintas:

– Combater as redes de tráfico de seres humanos que aproveitam a instabilidade de certos países para aumentar o seu negócio desprezível e criar redes legais de apoio aos refugiados e imigrantes;

– Rever e melhorar os sistemas de controlo de pessoas e bens nas fronteiras externas da Europa Comunitária e do Espaço Schengen, reforçando a Agência Frontex;

– Criar estruturas de integração dos imigrantes e refugiados, com serviços modernos e eficientes, garantindo que os processos de permanência em território europeu sejam emitidos de forma rigorosa – mas rápida, sem burocracias desnecessárias.

Portugal, graças ao trabalho desenvolvido pelos inspetores do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras - SEF, é considerado desde há muitos anos como um exemplo de boas práticas e capacidade técnica-operacional, quer pelo trabalho realizado no controlo fronteiriço, quer pela aplicação dos regimes legais nacionais e comunitários aos cidadãos estrangeiros que permanecem em território nacional. Ora, se a crise migratória está a pressionar a capacidade dos serviços de segurança em toda a Europa, é imperioso parar com o desinvestimento na área da imigração e fronteiras que o Governo português fez nos últimos anos.

Há poucas áreas em que Portugal seja uma referência a nível europeu. Mas – muito por mérito dos inspetores do SEF – a da segurança e humanismo nas fronteiras é uma delas. É preciso, sobretudo nestes meses de crise, estar à altura deste legado.

Presidente do Sindicato da Carreira de Investigação e Fiscalização do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras — SCIF-SEF

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