Os perplexos com as sondagens e outros cépticos

Anda meio mundo perplexo com uma provável vitória da Coligação nas eleições do próximo domingo.

No tradicional julgamento das eleições, que ora punem ora aplaudem quem governou, os números que as sondagens apresentam não batem certo com a leitura que fazem do passado recente. Custa-lhes perceber como podem os partidos de um governo ganhar depois de imporem ao país a mais severa dieta das últimas décadas. Têm dificuldade em conceber que governantes que fizeram disparar o número de pessoas sem emprego para a casa do milhão ou forçaram a saída de centenas de milhar de jovens do país possam ser premiados com a reeleição. Não lhes cabe na cabeça como pode um governo que centrou o ajustamento económico e financeiro nos cortes de salários e pensões ou em brutais aumentos de impostos voltar a merecer confiança dos eleitores.

1. Olhando para o que foi a política em Portugal nas últimas décadas, a posição da Coligação nas sondagens é, de facto, um absurdo que não cabe no entendimento. Para o entender, talvez seja por isso obrigatório virar a página do passado recente e admitir que a sensibilidade política de uma parte substancial dos eleitores mudou radicalmente depois destes quatro anos de devastação. O Portugal eufórico dos anos de 1990 ou o Portugal duvidoso da década passada já não existe. O Portugal que media os programas eleitorais pela generosidade das promessas perdeu-se em parte incerta. O que sobrou é um Portugal cauteloso, quase cínico, que se contenta com o pouco que tem. Um país que, depois de quase 20 anos de frustrações e promessas vãs, prefere a certeza mediana às dúvidas auspiciosas. Se essa nova atitude denuncia realismo ou uma rendição ao conformismo, é outra história. O que há a sublinhar é que há algo de novo no ar que interpela as ideias feitas das campanhas.

Na separação de águas que se produziu no antes e depois da troika, a Coligação foi capaz de cavalgar esse novo situacionismo para mobilizar todos os votos da direita e boas fatias do eleitorado do centro-esquerda. O que une essa franja de eleitores que pode rondar os 40% é muito mais do que o apelo ideológico da direita. Há-de haver na sua opção eleitoral uma forte dose de pragmatismo. Com este Governo, acreditam, o país há-de penar sem alma nem ambição durante mais uns anos, mas ao menos não corre o risco de voltar aos pesadelos de 2011.

Passos e Portas perceberam desde a primeira hora a mudança que estava a acontecer. Nas Europeias do ano passado, a actual coligação ficou a apenas 3.5% do PS. Os socialistas, porém, acreditaram que o problema era António José Seguro e em vez de analisar a fundo o que se passara, preocuparam-se em mudar de líder. Como escreveu ontem Ricardo Costa no Expresso, “o PS não soube valorizar o que se passou na Primavera de 2014 com a saída limpa. Centrou-se no facto de nenhum português sentir qualquer melhoria e desvalorizou o poder simbólico, político e económico que essa saída tinha a médio prazo”. Com esta falta de comparência, o PS deixou todo o eleitorado do centro vulnerável à mensagem e à propaganda do Governo. Para esta faixa de votantes que decide quem ganha e quem perde, a mensagem política da Coligação parecia mais ajustada ao seu medo de arriscar do que propostas do PS.   

Para muitos críticos e os inconformistas à esquerda, o triunfo dessa mensagem resulta da mentira e da manipulação de forças invisíveis e poderosas. De um sistema criado pelo capital e alimentado nos jornais e televisões. Para essa mole de eleitores perplexos e incrédulos com as sondagens, é mais fácil criticar um “sistema” do que tentar perceber o eleitorado da classe média que conservou o emprego, manteve uma vida apesar de tudo normal e tem um medo de morte do fantasma da bancarrota. Na apreciação dos cépticos, o pânico de 2011/2012 não iria deixar marcas profundas na percepção dos portugueses sobre a política. Pelo contrário, indo além da troika, os partidos do Governo estavam condenados ao destino do PASOK na Grécia. Esse foi o seu erro. António Costa tentou preveni-lo com um programa prudente, mas pelo meio foi semeando promessas avulsas ou sinais de intransigência na procura de compromissos que levaram muitos eleitores a suspeitar que, afinal, nada tinha mudado para os lados do Largo do Rato.

A uma semana das eleições, é tarde de mais para o PS alterar o contexto desfavorável em que se deixou embrulhar. António Costa não tem um discurso eficaz para um país cansado, receoso e descrente, um país que mudou com os rebentamentos da troika e com a ascendência de um razão política na qual o empreendedorismo, os juros e os recordes das exportações valem mais do que os indicadores da pobreza ou da exclusão. O “tem de ser” de Passos está a mostrar-se mais eficaz do que o “deve ser” de António Costa. Depois de tantos anos de frustração, o sonho transformador da política vale menos do que a gestão contabilística do Estado. Só assim se pode encontrar uma justificação para o facto de o PS estar com tantas dificuldades.  

2. “Nunca se mente tanto como na véspera das eleições, durante a guerra e depois da caça”, dizia há mais de um século o áspero e cínico chanceler alemão Otto von Bismark. Sabedores desta realidade, os cidadãos seguiram as mentiras desta campanha com a habitual indiferença. Ainda assim, ouvir Passos Coelho dizer que “quanto mais tempo demorar a vender o Novo Banco mais juros o Estado recebe desse empréstimo” é mau de mais até para ser mentira de campanha. Como se percebe, não é falso que o Estado receba juros; o que é falso é o juízo que está por detrás desta factualidade. O de, que a venda falhada do Novo Banco não foi uma derrota para o Banco de Portugal, para o Governo e para o país.

Quando há poucas semanas se julgava que o adiamento da venda do Novo Banco era um favor que Carlos Costa fazia a Passos Coelho e seus pares, ninguém tinha a certeza de que o INE viesse a inscrever o valor do empréstimo de 4.9 mil milhões de euros ao Fundo de Resolução nas contas do défice de 2014, fazendo-o disparar para uns pornográficos 7.2%. De repente, uma boa parte da mensagem da Coligação ameaçava ruir como um castelo de cartas. Afinal, onde estava o rigor das contas, a consolidação, o ajustamento, o zelo fiscal, a derrota do défice? Passos, como se compreende e aceita, desviou o assunto para o domínio das eventualidades estatísticas. Mas quis ir mais longe e dispôs-se a um dos papéis mais ridículos e falsos da campanha, querendo transformar uma péssima notícia numa vitória cristalizada nos juros a receber pelo Estado. Como se o Estado fosse uma casa de penhores; como se para emprestar dinheiro ao Fundo de Resolução não tivesse de o pedir emprestado a terceiros; como se os portugueses fossem parvos e incapazes de perceber que, mesmo em campanha, há um limite para a manipulação. 

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