A história me absolverá?

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Depois da missa na Praça da Revolução — com o altar situado entre a monumental efígie do Che e a imagem do Jesus da Divina Misericórdia —, o Papa encontrou-se com Fidel Castro. Este esperava-o na sua residência-clínica, em Punto Cero, com a mulher Dalia e os netos, num ambiente “familiar e informal”. Conversaram meia hora num clima de “cordialidade”. O Papa jesuíta e o antigo aluno dos jesuítas — que o formaram e o protegeram quando ele foi preso depois do fracassado ataque ao quartel de Moncada, em 1953. “Falámos sobretudo da [encíclica] Laudato si, pois “ele está muito preocupado com a ecologia”, informou Francisco.

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Visita do Papa Francisco a Fidel Castro, em Havana, a 20 de Setembro Alex Castro/AIN/Reuters

Em 2012, no encontro com Bento XVI, Fidel pedira um conselho sobre livros a ler. Francisco levou-lhe duas obras do padre Alessandro Ponzatto, especialista em catequese: A Nossa Boca Abriu-se ao Sorriso. Humorismo e Fé; e Evangelhos Incómodos. A escolha é irónica: conforme a ortodoxia soviética, Cuba substituiu o catecismo pelo ensino do “ateís-mo científico”. Castro retribuiu com outro livro, Fidel e a Religião: Conversas com Frei Betto.

Francisco tinha uma surpresa para Fidel. Ofereceu-lhe dois CD com os sermões completos do jesuíta Armando Llorente, seu mestre no colégio Belén (1942-45). Llorente morreu no exílio em Miami, triste por não poder visitar Cuba e reencontrar o antigo discípulo.

Este encontro foi um apêndice simbólico, mas obrigatório, na visita papal. O “Líder Máximo” é hoje uma relíquia.

A visita foi devidamente ambígua: boa diplomacia. Francisco quis chegar aos Estados Unidos partindo de Cuba, após o seu papel na aproximação entre os dois países. Em Havana houve precauções e polémica. Nenhum dissidente teve acesso ao Papa. Aleida Guevara, filha do Che, protestou contra o convite do Partido Comunista de Cuba aos seus militantes para assistirem à missa.

Em Roma, antes de partir, Francisco encontrou-se com estudantes cubanos e americanos a quem disse: “Um bom líder é o que é capaz de gerar outros líderes. Se um líder se amarra à liderança, é um tirano. Os líderes de hoje não existirão amanhã. Se não espalham a semente da liderança noutros, não têm valor. São ditadores.” A arte do Papa, jesuíta e político, é escolher o que dizer e o que calar nos lugares adequados.

No avião para os EUA, perguntaram-lhe se Fidel se poderia arrepender. “É uma questão íntima”, respondeu. “A História absolver-me-á”, proclamou Castro em 1953 no seu julgamento. O gesto de rebelião foi louvado. As contas de Fidel com a História têm que ver com que se seguiu à conquista do poder. Ele ficará na História — e não só de Cuba. Mas com que imagem? Que discute ele consigo mesmo? Não o disse ao Papa.

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