A vida depois de Grant

Como reacção à morte de Grant McLennan, seu companheiro de sempre nos Go-Betweens, Robert Forster escreveu The Evangelist. Depois, silêncio durante sete anos. O regresso faz-se agora com Songs to Play, um clássico instantâneo.

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STEPHEN BOOTH

Acontecimento, define o dicionário, é “coisa ou caso inesperado ou que produz sensação”. Se Songs to Play, o mais recente álbum de Robert Forster, produzirá sensação? Isso depende do grupo de pessoas em quem o disco for testado – certamente que sim, se nos ficarmos pelos fãs dos Go-Betweens, mas para além deles, e para além da definição que o dicionário consagra, este disco é um acontecimento simplesmente pelo facto de surgir. É que desde The Evangelist, a sensação anterior do senhor Forster, passaram sete anos.

The Evangelist foi escrito na ressaca da morte de Grant McLennan, companheiro de sempre de Forster nos Go-Betweens, a mais subvalorizada banda da história da pop. Talvez aquele disco o tivesse esgotado, julgámos. “Na verdade”, diz Forster ao telefone desde Brisbane, na Austrália – a sua terra natal, para onde regressou anos após os Go-Betweens terem chegado ao fim pela primeira vez –, "mal acabei The Evangelist quis que houvesse um intervalo de cinco anos até ao disco seguinte”.

Nada comum no mundo da pop actual, onde a regra é fazer um disco, partir em digressão por dois anos e lançar nova obra no regresso. Mas não Forster, ele não se move pelos mesmos ditames. “Na altura achei que estava num novo estádio da minha carreira. E queria deixar passar algum tempo. Sabia que o que fizesse a seguir seria outro capitulo."

Let me imagine you

Uma das razões para isto prendia-se com os acontecimentos terminais que levaram a The Evangelist. “O meu último álbum tinha saído muito próximo da morte do Grant, e estava muito ligado a essa morte. Havia canções dele no disco, canções que ele não tinha acabado. E na altura também estava a escrever sobre música, a produzir música e a fazer o livro dos Go-Betweens [que saiu na recente compilação da obra da banda]."

Além disso, Forster “queria mandar uma mensagem, e só podia fazê-lo com tempo". A mensagem "de que ia voltar refrescado, com nova energia”, um dado que Songs to Play confirma. O próprio título do disco indica esse reposicionamento – brincar era algo que estava radicalmente afastado de The Evangelist, um álbum muito mais pesado.

Valha a verdade, Foster nunca foi prolífico. “Nos anos 1980 [quando os Go-Betweens, a banda que criou com McLennan, começaram], se escrevesse duas canções de que gostasse num ano já ficava contente. Éramos dois a compor – a duas canções por ano tinha quatro em dois anos, e se o Grant fizesse o mesmo tínhamos praticamente um disco." 

O problema de Forster, explica ao Ípsilon, é que não é “naturalmente um músico": "Não sou o Paul Weller nem o Paul Simon. Sou alguém que sabe tocar bem guitarra e tem ideias, mas não consigo criar a torto e a direito. Não sou um virtuoso. As canções saem como explosões e depois vão embora." Com o tempo, diga-se, tornou-se num bom guitarrista ritmo. “Sim”, diz ele. “Do mesmo tipo que o Lou Reed era. Mas isso não é talento, é trabalho. Posso tocar guitarra ritmo e um piano. Chega para fazer uma canção pop." 

Em busca de vida
É uma palavra que aqui faz sentido, ao contrário do que acontecia em The Evangelist: pop. “The Evangelist era um disco muito melancólico e sombrio. Desta feita queria escrever canções orelhudas, melódicas, lúdicas e leves. O que não é obrigatoriamente menor. Pode fazer-se algo mais leve e ainda especial. E todas as canções de Songs to Play têm esse sentimento de reagir a esse disco. O da morte do Grant. É uma procura de felicidade, de vida."

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A morte de Grant, seu colega desde garoto, magoou Forster até ao tutano. “Quando ele morreu os Go-Betweens acabaram de vez. A banda éramos os dois, não fazia sentido continuar sem ele. Mas não me imaginava a fazer álbuns a solo. Todas as ideias, todos os sentimentos iam para banda. Quando se está numa banda faz-se tudo pela banda."

Veio a morte de Grant e Forster demorou “quase dois anos" até começar a sentir-se "normal outra vez". "Havia como que um nevoeiro à minha volta. Fazer o disco ajudou-me a prosseguir”. A actividade de crítico musical, ainda que noutro sentido, também. "Ouvir a música dos outros e tentar perceber como a criaram não ajuda a escrever uma canção, mas torna-te mais consciente do que estás a fazer. A decidir se terá um piano, se a bateria entra ou não.”

Há pianos em Songs to Play. E metais. E órgãos. E coros. E violinos. Um deles, o de I’m so happy for you, lembra The Clark sisters, canção do álbum Tallulah, dos Go-Betweens. E há proto-bossa-nova. Ou seja: o plano de fazer canções grandes e lúdicas e leves foi mais do que alcançado. Mais ainda: estas canções são clássicos instantâneos, com grandes refrães que não se esforçam por mostrar as suas qualidades mas facilmente nos põem a cantarolar. Grandes canções eximiamente arranjadas, com um bom gosto a toda a prova. 

É uma proeza que deixa Forster contente – tem a noção de que conseguiu fazer o que queria fazer. E está contente com a sua vida, com as opções que tomou, com tudo o que viveu. “Tive a sorte de estar em Londres nos anos 1980, que era um mundo muito diferente do que tudo o que eu conhecera antes. Conhecer a minha mulher na Alemanha mudou-me e deixou-me muito feliz. Voltar para Brisbane para formar uma família também me mudou. Sou abençoado”, diz Forster, hoje um conversador muito mais sereno do que há década e meia. “Fiz uma opção pela família”, explica. “Passo muito tempo com os meus dois filhos adolescentes. Somos muito próximos, o que tem sido muito importante para nós. De modo que não queria viver aquela vida de seis meses na estrada, queria estar com eles." Financeiramente, conta, é difícil. “Vivemos um pouco no fio da navalha, e não há luxos. Mas foi sempre assim. O que não é problema quando não se tem filhos. Quando há filhos é quando se precisa de segurança. Mas até agora, apesar de tudo isto, funcionou."

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Ligeiramente inseguro em relação à recepção que o disco pode ter, Forster pergunta-nos o que achámos. Quando o elogiamos, agradece várias vezes. Claramente, o ser vagamente arrogante que liderava os Go-Betweens mudou um pouco. Agora também joga noutro campeonato – nunca antes poderíamos imaginá-lo a fazer um quase-gospel como Turn on the rain, deste álbum.

Agora está “numa fase em que tudo pode acontecer”. “Não me vejo a fazer um disco de dois em dois anos. Mas vai haver surpresas. Estou a trabalhar num livro que pode sair em pouco tempo – é uma biografia e envolve a minha vida."

Paramos por um segundo a tentar rememorar a nossa imensa quantidade de informação sobre os Go-Betweens. “Não era o Robert que tinha o plano de ser escritor, antes de começar os Go-Betweens?”, perguntamos. “Não, não”, responde ele, depois de uma pequena pausa. “O Grant é que queria escrever livros e fazer filmes. Eu não. Mas toda a gente tem o sonho de escrever um livro um dia. Sempre o quis fazer. mas não sabia se conseguia." Ficamos meio encabulados – por termos falhado uma informação tão simples e por trazermos de novo o nome de McLennan à conversa. 

Mas ele já ultrapassou a pequena memória que trouxemos. “Então gostaste do disco, foi? De qual gostaste mais?” E assim continuamos por uns minutos. A falar de canções, o assunto preferido de Robert Forster.

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