Meta do défice só é atingida se 2.º semestre for o melhor desde 1999

Governo mantém objectivo de 2,7% para o total do ano, mas vai ter de garantir que nos últimos seis meses o défice não ultrapassa os 0,9%.

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Maria Luís Albuquerque, ministra das Finanças Miguel Manso

Um défice maior em 2014 por causa do Novo Banco e uma primeira metade de 2015 com um saldo mais negativo do que a meta do Governo trouxeram as finanças públicas de novo para o centro do debate na campanha. A oposição viu os números como prova de que a austeridade não serviu para nada, o Governo fala de “efeito estatístico” em 2014 e reafirma as metas para este ano.

A primeira notícia dada pelo Instituto Nacional de Estatística não surpreendeu, mas foi a que provocou mais debate. O défice público do ano passado derrapou para 7,2% do PIB, mais 2,7 pontos percentuais do que os 4,5% estimados pelo próprio INE em Abril.

A deterioração do saldo registado em 2014 já era amplamente esperada e deve-se à contabilização dos 4900 milhões de euros usados para capitalizar o Novo Banco no cálculo do défice.

Em relação à estimativa de há seis meses, há ainda pequenos efeitos positivos, da ordem dos 175 milhões de euros, decorrentes da incorporação de dados revistos da Administração Local, do Serviço Nacional de Saúde e da Informação Empresarial Simplificada (IES).

Mas feitas as contas, o défice de 2014 acabou por ser agravado em 4729,3 milhões de euros, face ao que tinha sido estimado em Abril. O valor da dívida pública em 2014 manteve-se inalterado, nos 130,2% do PIB, uma subida de 1,2 pontos percentuais face a 2013.

A inclusão nas contas públicas da injecção de capital de 4900 milhões de euros feita em 2014 pelo Fundo de Resolução no Novo Banco é o resultado da aplicação das regras contabilísticas europeias. Já tinha ficado claro que, se o Novo Banco não fosse reprivatizado no período de um ano, as autoridades estatísticas teriam de tomar este passo. Foi isso que o INE agora fez, passados apenas alguns dias após o anúncio pelo Banco de Portugal do adiamento do processo de venda.

Os próprios responsáveis do Governo já tinham, nas últimas semanas, antecipado este resultado, assumindo que, perante o adiamento da venda do Novo Banco, um impacto negativo nas contas públicas de 2014 era inevitável. No entanto, têm garantido sempre que esse agravamento do défice não terá consequências ao nível da política orçamental a seguir.

A ministra das Finanças já tinha defendido que uma subida do défice por causa do Novo Banco seria “um efeito meramente estatístico”, sem consequências do ponto de vista da adopção de novas medidas. Nesta quarta-feira, Passos Coelho defendeu a mesma ideia.

Do lado das autoridades europeias também já tinham surgido várias indicações de que a derrapagem do défice em 2014, sendo provocada por uma injecção de capital de carácter extraordinário, não resultará na exigência de medidas adicionais de correcção do desequilíbrio orçamental.

Riscos para 2015
O risco para o futuro é que, com o Novo Banco ainda nas mãos do Fundo de Resolução, qualquer nova capitalização que venha a ser feita na instituição possa também conduzir a um agravamento do défice público registado em 2015 ou 2016.

O Banco Central Europeu prepara-se para divulgar em Novembro os resultados dos testes de stress realizados ao Novo Banco. Se concluir que os rácios de capital do banco não são os adequados, haverá a necessidade de injectar mais fundos.

Estes poderiam vir de investidores privados, caso tal ficasse estabelecido no processo de privatização do Novo Banco. Mas se a venda a privados não ficar entretanto concluída, quem terá de garantir a capitalização é o seu actual accionista, o Fundo de Resolução, o que significaria, de acordo com as mesmas regras que levaram à derrapagem do défice em 2014, a um impacto negativo das contas no ano em que se realizar essa injecção, seja em 2015 ou 2016.

A meta de um défice abaixo de 3% este ano e consequente saída de Portugal do procedimento por défices excessivos poderia ficar então em causa. Nesse caso, seria necessário perceber se as autoridades europeias estariam de novo disponíveis para não levar em consideração o impacto da operação de capitalização.

É neste contexto de risco proveniente ainda do Novo Banco, que o INE divulgou também nesta quarta-feira outros números: já durante a primeira metade deste ano, o défice foi de 4,7% do PIB.

É verdade que se verifica uma melhoria de 1,5 pontos percentuais face a igual período do ano anterior e que o valor do segundo trimestre (3,7%) foi melhor do que o do primeiro (5,7%), mas os 4,7% registados até Junho confirmam a existência de dificuldades para cumprir a meta de 2,7% que o Governo tem para a totalidade deste ano e que nesta quarta-feira voltou a ser reafirmada.

Durante o primeiro semestre, o défice registado foi de 4093 milhões de euros. Tendo em conta que o objectivo do Governo para o total do ano é de 4860 milhões, apenas é possível registar um saldo negativo na segunda metade do ano de 767 milhões de euros, ou 0,9% do PIB.

Uma tarefa difícil, se verificarmos que, a última vez que um valor destes foi atingido num semestre foi na primeira metade de 1999 e que, na segunda metade do ano passado, retirado o efeito dos 4900 milhões injectados no Novo Banco, o défice foi de 2,6%.

O Governo, que já tem vindo a debater com instituições como a Comissão Europeia e o Fundo Monetário Internacional (FMI), as projecções para o défice deste ano, continua a acreditar que isso é possível.

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