O Úbere da Uber

Esta semana andei de Uber. Conclusão: nunca conseguirei enganar a minha mulher. Não tenho jeito nenhum para traição. Desde o momento em que entrei naquele Fiat anónimo, nunca mais consegui encarar de frente um taxista, por receio que ele saiba, só de olhar para mim, que prevariquei. E não é só o olhar: passados dois dias apanhei um táxi e, às tantas, o chofer começou a fungar insistentemente. Perguntei-lhe: “Estas alergias de Verão são tramadas, não são?” E ele: “Não são alergias, amigo. Até porque desde que equipei o veículo com esta capa de banco com bolinhas de madeira, nunca mais tive problemas ao nível do tracto respiratório superior. Nem cáries. E acho que me curou a hepatite.” E eu: “Então porque é que funga?” Ele semicerrou os olhos e encarou os meus, perscrutando a minha alma via retrovisor: “Não é fungar. É farejar. O amigo cheira a um daqueles desodorizantes todos pipis para carros. Não é cá um pinheirinho wunderbaum. É mesmo uma fragrância elegante, das que não se conseguem adquirir em estações de serviço. O amigo andou de Uber, não foi? Fique a saber que a Uber…” Já não ouvi mais, porque entretanto saltei do carro em andamento.

Apesar desta reacção, da minha parte os taxistas não têm razões para temer a perda de freguesia. Vou continuar a estender o meu braço para o meio da estrada, a chamar um carro com a mesma irresponsabilidade com que um forcado cita um touro — e, dado o tipo de condução amiúde praticado, correndo o mesmo tipo de risco. É que andar de Uber aborrece-me. Podem não querer um Salazar em cada esquina, mas desejam uma hamburgueria gourmet em cada esquina. Isso é chato.

Num Uber não há polémica, não há uma embirração absurda com o trânsito (o equivalente a um médico dizer a um paciente: “O que é isto? Então o senhor aparece-me aqui doente?”), não há aquele humor machista que podemos encarar com bonomia, porque já só temos 1,5 km para ouvir as opiniões desagradáveis daquela pessoa que nunca mais vamos encontrar. Enfim, não há motivo de discussão. Nem sobre o clima: se dissermos que está frio, o condutor do Uber pede desculpa e sobe a temperatura do ar condicionado, se dissermos que está calor, ele pede desculpa e baixa a temperatura. Podemos passar a viagem nisto, entre 18 e 25 graus. E, óbvio, nunca se irritam por não termos trocos. Acima de tudo, não querem ofender. Isso ofende-me. Mais do que num táxi, em que se pedir para abrir a janela, o motorista suspira, como quem diz: “Olha-me este maricas!”

É natural que os taxistas se aborreçam. Se eu fosse obrigado a fazer um curso de 500 horas, para depois ver um tipo qualquer começar a transportar passageiros sem passar pela formação, também me chateava.

Das duas, uma: ou é tudo à vontade para todos ou obrigam os motoristas da Uber a fazer formação em que tenham de aprender dois tipos de trajectos (os que se usam com os locais e os para enganar os turistas), ofensas específicas para cada etnia, sintonização da Rádio Amália em qualquer tipo de transístor e formas de acertar sempre no buraco do pavimento por forma a escangalhar amortecedores à bruta, entre outras disciplinas obrigatórias.

P.S. — Tive a honra e o prazer de aqui escrever durante os últimos oito anos. Agradeço ao PÚBLICO a oportunidade que me deu. Mas tudo o que é bom acaba. E os meus textos, também. Esta foi a minha última crónica no PÚBLICO. Obrigado a todos, por tudo.

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