A última oportunidade

Muitos de nós afirmam, sem grande reflexão: esta é “a última oportunidade”. Nada mais errado. A vida, felizmente, está sempre a demonstrar o contrário, nos mais diversos contextos. Novas ocasiões aparecem para fazer tudo diferente e diversos ensejos surgem quando menos se espera. Na realidade, nada está escrito e predeterminado em absoluto e, em muitos casos, a nossa crença firme em projectos para o futuro é a principal força para os levar a cabo com êxito. Em muitos casos e quando tudo parece perdido, forças positivas, individuais ou colectivas fazem com que tudo se veja de modo diferente e novas soluções emergem.

No momento do debate recente entre Passos Coelho e António Costa, muitos disseram que era “a última oportunidade” para o socialista ganhar as eleições. Esta crença era baseada em sondagens de metodologia controversa e em opiniões dos comentadores de serviço, sem estar baseada em nenhum estudo credível. Nunca um debate é a última oportunidade, porque sempre será difícil prever se um cidadão irá votar, ou o que decidirá no silêncio da cabina de voto. No dia do debate, muito tempo ainda faltava para esse instante de decisão e, portanto, a ideia de que a discussão seria determinante não passava de um “acho que”, infelizmente tão habitual no nosso país.

Tudo pareceu mudar depois do confronto televisivo e os mesmos comentadores que previam a derrocada socialista depressa afirmaram que a partir desse momento seria diferente e que a “última oportunidade” de Passos Coelho seria mudar de estratégia, passando a pormenorizar mais o que irá fazer, enquanto a “última oportunidade” de António Costa seria agora “capitalizar o novo impulso”.

A verdade é que nada está decidido nestas importantes eleições legislativas. A grande questão será como levar mais portugueses a votar, porque o que vemos na televisão pouco mais é do que o entusiasmo militante dos partidos com assento parlamentar. E as sondagens, baseadas em parte em telefones de rede fixa, podem não traduzir o que na realidade se passa, porque os mais novos há muito que só usam telemóveis.

A campanha eleitoral que hoje oficialmente se inicia (mas que, na prática, já começou há muito) é importante, mas não é, mais uma vez, a “última oportunidade”. Dois factores decidirão o resultado: o nível da abstenção e a capacidade de Costa para demonstrar como vai fazer diferente e melhor, através de um pequeno número de compromissos claros e exequíveis na área social, onde o Partido Socialista tem tradições históricas que nunca deverá alienar. É pouco provável que comícios e “arruadas” sejam suficientes para esclarecer os portugueses, sendo essencial garantir espaços sectoriais de reflexão, onde surja a autocrítica a erros de recentes governos socialistas e apareça a garantia de que o clientelismo e a arrogância não venham a ter lugar no futuro executivo de Costa.

Em Portugal, o sofrimento e o mal-estar causados aos cidadãos pelo Governo em funções deu, por vezes, lugar a uma resignação e a uma falta de esperança que pode desmobilizar no momento do voto, ou conduzir à ideia de que todos os políticos são iguais e que para pior, já basta assim, por isso para quê votar num partido diferente da coligação no poder?

Lembro as famílias destroçadas pela emigração, pelos cortes e pelo desemprego, a escola da indisciplina e do desinteresse, o difícil acesso dos portugueses às consultas médicas, o caos na justiça. Temos de perceber que votar diferente não será a “última oportunidade”, mas será uma ocasião a não perder.

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