Desculpe, foi engano (e viva a música!)

Agora já não sucede com frequência, mas no tempo dos telefones de disco (onde era preciso usar o indicador para rodar o disco e marcar os números) havia muitos enganos. Telefonar para um hospital, por exemplo, e ir “parar” à mercearia da esquina. “Desculpe, foi engano.” Claro que se desculpava, era mesmo assim. “É de casa de…? Ai não é? Desculpe, foi engano.” Com telefones digitais e números memorizados ainda há enganos, mas menos. Onde há muitos é noutras coisas mais públicas. Por exemplo: na Hungria confundiram refugiados com animais; viu-se pela forma como lhes atiravam a comida. E na União Europeia confundiram-nos com turistas, “adiando-os” para 9 de Outubro; como se, malas feitas, pudessem esperar outro avião.

Mas antes que nos afundemos em mais enganos, falemos de uma coisa que não é engano nenhum: o Viva a Música. Está no ar, na Antena 1, vai para 20 anos (começou agora a 20.ª temporada, que se completará em 2016), e nesse período, desde Setembro de 1996, deu-nos a ouvir semanalmente, às quintas-feiras, mais de 3 mil músicos (só a lista completa ocuparia quatro crónicas destas) em 850 programas. Sempre com música ao vivo e transmitida em directo, a partir do Teatro da Luz, em Lisboa. Apresentado por Armando Carvalhêda e com produção de Ana Sofia Carvalhêda, é um daqueles programas com que a música portuguesa (mas também a brasileira ou africana) conta e contará sempre. Que não lhe tirem este palco!

Voltando aos enganos. Há muito tempo que chegam ao meu correio electrónico, misturadas com tantas outras igualmente inúteis, mensagens de guardas municipais brasileiros. Nunca liguei por razões óbvias: não tinham nada que ver comigo. No entanto, há dias, começaram a chegar mensagens assim, como que enviadas por náufragos sem bóia: “Bom dia. Sou do Paraná e não tenho nada a ver com essa lista. Quero que meu email seja retirado dela”; “Por favor, não solicitei a inclusão de meu nome nesta lista”; “Bom dia a todos!! Considerando que não sei a razão de pertencer a esta lista, solicito que meu endereço seja retirado imediatamente da lista”; “Peço que retirem meu email. Obrigado!”; “Não quero mais receber isso. Me retirem da lista”; “Nos retirem desses emails. Não estamos pedindo nada demais”; “Também quero sair.”

Mas do que tratava tal correspondência, que nunca entendi? Não havia tema nas mensagens, apenas uma salgalhada de palavras de modo a manter intrigados os (involuntários) receptores. Pois assim se extinguiu a inútil correspondência dos guardasmunicipais.com.br. Se existir alguma guarda municipal algures no Brasil, comunique por telefone. E sem trocar os números!

Mas um dos enganos mais embaraçosos destes dias foi o que ocorreu em Manhattan. Um homem de 35 anos viu-se atirado ao chão por cinco polícias, algemado e detido durante 15 minutos. Pormenor: o homem era negro e os polícias brancos. Segundo pormenor: o detido era James Blake, antigo tenista norte-americano que estava à porta de um hotel à espera do carro que o levaria ao Open de ténis dos EUA. Desfeito o engano, disseram que Blake, que ficou ferido, fora “identificado de forma errónea por uma testemunha” num caso relacionado com telemóveis e cartões de crédito falsos. Mas o ex-tenista continuou atónito: “A força usada era completamente desnecessária. Eu estava ali parado, não tentei fugir, não ameacei ninguém.” Engano, claro. Mas antigo... Segundo o New York Times, o agente que atirou Blake ao chão já tinha sido acusado de uso excessivo de força por pelo menos sete pessoas. O guarda não pediu desculpa a Blake, desfeito o equívoco, foi a Polícia de Nova Iorque que teve de fazê-lo formalmente. Blake diz que deviam tirar-lhe o crachá. Mas ainda decorre um inquérito…

E se tivesse sido em Martha’s Vineyard, em pleno Verão? Imaginemos o quadro: “Vêem aquele sujeito de camisola, jeans, boné azul na cabeça puxado para os olhos e com um saco de papel nas mãos? Suspeito, no mínimo. Imobilizem-no, mantenham-no colado ao chão, sejam duros. Ele diz o quê? Casa Branca? Oh, desculpe, foi engano, pode levantar-se. Não volta a acontecer, Sr. Presidente.”

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